por Elaine Paganatto e Márcia Alves


 


No último dia 13 de julho, o Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo (SP), foi palco de uma grande vitória da revenda paulista. O governador José Serra sancionou duas leis que prometem reduzir a prática da adulteração de combustíveis no estado. A primeira aborda o “perdimento” – remoção, transporte e reprocessamento de produto adulterado, que leva à interdição do posto –, e a segunda versa sobre a “presunção” – prevendo a tributação do solvente nos moldes da que recai sobre a gasolina.


Na ocasião, estiveram presentes representantes das secretarias da Fazenda Estadual, da Segurança Pública, da Defesa da Cidadania, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e o líder do Sincopetro, José Alberto Paiva Gouveia, único membro de entidade de classe a compor a mesa com as autoridades.


O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, também participou da solenidade de assinatura. A prefeitura integra a força-tarefa que nos últimos três meses vem utilizando pulso firme para lidar com os fraudadores de combustíveis. Nesse período, aproximadamente 130 postos foram interditados na capital com blocos de concreto para impedir que sejam reabertos sem autorização judicial. “A partir de hoje”, disse Kassab, “as bombas de combustíveis poderão ser retiradas para evitar que, efetivamente, esses estabelecimentos voltem a operar”. Voltando-se para a mesa, o prefeito observou que ali estava o retrato de uma parceria que deu certo e que vem realizando um árduo e fundamental trabalho para erradicar o crime organizado na cidade de São Paulo. “A imagem desta mesa é mais importante que qualquer discurso”, afirmou.


Para o governador Serra, a sanção dessas leis convergem para quatro pontos fundamentais na repressão à adulteração no estado. “Primeiro, representa o combate à concorrência desleal no segmento de combustíveis; em segundo, colabora com a defesa do consumidor, evitando danos aos motores de veículos por produto fraudado; o terceiro fator leva a crer que o fisco deixará de perder com arrecadação, podendo reverter esses recursos em benefícios para a população; e em quarto lugar sugere que o meio ambiente tenha a ganhar muito com a redução da emissão de poluentes, uma vez que os combustíveis serão comercializados em conformidade com os padrões da ANP”. 


O presidente do Sincopetro, Paiva Gouveia, salientou que a categoria da revenda, que trabalha de maneira honesta, ganha novo fôlego. “Entendo que as leis beneficiarão o consumidor, mas creio que elas vieram, de fato, para salvar a nossa categoria, pois ninguém mais estava conseguindo operar com o banditismo que se instalou no setor”. Ele ressaltou que as autoridades podem continuar contando com o apoio do Sincopetro, esperando, em contrapartida, que o segmento possa encontrar o mesmo respaldo.


União da força-tarefa


Mais órgãos do governo paulista e algumas entidades do setor de combustíveis foram integrados à força-tarefa já composta por Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP), Secretaria da Habitação, Secretaria da Fazenda e Secretaria da Segurança, por intermédio da Polícia Civil. No último dia 12 de junho, uma reunião realizada no escritório da agência em São Paulo (SP), selou a participação do Ministério Público e do Tribunal de Contas, e oficializou o apoio do sindicato paulista da revenda (Sincopetro) e do sindicato das distribuidoras (Sindicom). Dessa reunião, surgiram propostas para o saneamento do mercado e erradicação dos adulteradores no estado, que já causaram prejuízos de cerca de R$ 200 milhões aos cofres do estado, nos últimos 12 meses.


 


Em audiência com o prefeito Gilberto Kassab, no mês de junho, o Sincopetro sugeriu alterações no decreto que regulamentará a Lei 14 009/05. A entidade da revenda pedia que, além da cassação do alvará de funcionamento de postos que comercializam combustíveis fora de especificação, também houvesse a retirada das bombas desses estabelecimentos. A proposta visava impedir a quebra de lacre por parte dos revendedores desonestos, que horas depois de flagrados pela fiscalização, voltam a operar normalmente.


 


Bastante determinado a solucionar o problema em São Paulo, Kassab anunciou a elaboração, já para o mês de julho, de um projeto que contemplará as duas medidas. A decisão do prefeito ainda destaca que o Sincopetro assumirá a guarda das bombas e o Sindicom, a do combustível apreendido, responsabilizando-se também pela reciclagem do produto, que posteriormente deverá ser doado ao estado para utilização em veículos da polícia, bombeiros, ambulâncias etc.


 


Leis mais severas para adulteradores


O governo de São Paulo aprovou duas leis que prevêem a apreensão do combustível adulterado e multa de 200% do valor do ICMS cobrado sobre a gasolina, para estabelecimentos que venderem solvente misturado ao produto.


 


O estado de São Paulo está mesmo disposto a acabar com a adulteração de combustíveis em seu território. Além da força-tarefa, no âmbito do Legislativo paulista duas leis foram sancionadas pelo governador José Serra, que prometem endurecer o trato com os adulteradores de combustíveis.  A Lei 160/05 estabelece sanções a quem adquirir, transportar, estocar, distribuir ou revender produto combustível impróprio para o consumo em razão de sua desconformidade com as especificações fixadas pelo órgão regulador competente, no caso a ANP. A lei prevê como sanções, multa, apreensão ou perda do produto e interdição parcial ou total do estabelecimento.


 


Um item importante da lei destaca que em caso de indícios ou evidências de adulteração, durante teste realizado imediatamente após a coleta no posto, a fiscalização apreenderá o produto, lacrará e interditará o tanque ou bomba. Caso haja resistência do proprietário ou empregados do posto, a polícia poderá ser chamada. Também define que a responsabilidade pela remoção, transporte e reprocessamento do combustível adulterado será do governo, o qual poderá realizar acordos ou contratar órgãos públicos ou empresas privadas para a execução dessas tarefas.


A outra lei sancionada pelo governador na mesma data foi de número 161/05, que estabelece a presunção da comercialização de solvente como gasolina. De agora em diante, as operações com solvente serão enquadradas como se fossem operações com gasolina, para fins de recolhimento do ICMS, tendo penalidade específica, sem prejuízo da cassação da inscrição do contribuinte que tenha realizado tais práticas. Na prática, o posto onde for comprovada a venda irregular do produto com solvente, deverá pagar o ICMS sobre o preço da gasolina, cuja alíquota é maior. Conforme o texto da lei, a multa pode chegar a 200% do valor do imposto. Além disso, também estão previstas punições aos postos que apresentarem documentos fiscais falsos ou estiverem em situação irregular com o fisco.


 


Bombas arrancadas


MP e Ipem-SP têm lista de 47 postos irregulares que podem ter as bombas apreendidas.


 


Em maio, dois postos do município paulista de Praia Grande, ambos situados na avenida Presidente Kennedy, tiveram suas bombas removidas pela equipe técnica do Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo (Ipem-SP), com a autorização do Ministério Público do estado. A ação conjunta dos órgãos foi decorrente de medida liminar cautelar impetrada pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor da Praia Grande, por conta da conduta irregular dos estabelecimentos. Os dois postos já haviam sido interditados pelo Ipem, por fraudar o consumidor na quantidade de combustível entregue pela bomba, e autuados pela ANP por falta de registro e comércio irregular ou adulteração de combustíveis.


 


Um dos postos, inclusive, que desde 2004 detém um histórico de 15 autuações pelo Ipem-SP, foi novamente autuado pelo órgão no dia 26 janeiro deste ano, por vender cerca de quatro litros a menos a cada 20 litros abastecidos. Na ocasião, houve a interdição da bomba irregular e a remoção do bloco medidor. Porém, no dia seguinte, quando os fiscais voltaram ao estabelecimento, verificaram que a bomba autuada funcionava normalmente e que os proprietários do posto haviam retirado o bloco medidor de outra bomba e instalado na bomba que fraudava os consumidores em mais de quatro litros. Diante do flagrante, o Ipem-SP retirou e apreendeu a bomba inteira.


 


Ação do MP


No que depender do MP, segundo a procuradora Iurica Okumura, todos os postos flagrados vendendo combustível adulterado ou fraudando o abastecimento terão suas bombas removidas. Durante reunião da força-tarefa, no último dia 12 de junho, ela recebeu da ANP uma relação de 47 postos da capital paulista, todos autuados e interditados, alguns até com a marca de 20 autuações e 12 interdições. “Não basta o processo administrativo contra esses postos”, disse a promotora. “Precisamos de uma decisão judicial definitiva”, acrescentou. Além da ação civil pública contra todos os 47 postos, Iurica informou que o MP continuará atuando junto aos tribunais para cassar as liminares obtidas por distribuidoras de combustíveis que também praticam irregularidades. “De um total de 40 liminares, conseguimos reduzir para quatro ou cinco, por meio de um trabalho de conscientização dos juízes quanto à gravidade desses crimes”, afirmou.


 


Medida radical


Arrancar as bombas de postos que vendem combustíveis adulterados é uma medida no mínimo radical. “Pioneira também”, afirma o superintendente do Ipem-SP, Antonio Lourenço Pancieri. Ele conta que, diante das irregularidades constatadas em determinadas regiões do estado, bem como o aumento de fraude nas bombas que abastecem menos combustível do que o registrado no marcador, o Ipem decidiu “apreender cautelarmente” os equipamentos. “Nunca o Ipem fez isso”, admite. “Mas foi necessário diante dessa quantidade de fraudes”, justifica.


 


Uma possibilidade aventada durante reunião da força-tarefa, pelo secretário da Fazenda do estado, foi o desenvolvimento de um dispositivo que pudesse ser instalado no bico da bomba de combustíveis, para indicar quantidade exata abastecida. A idéia seria acabar de vez com a fraude nas bombas que abastecem quantidade menor do que a vendida. Mas, essa tecnologia ainda não existe, segundo Pancieri. A se ver, o uso de padrões de volume calibrados são “totalmente confiáveis e adequados, permitindo uma atuação convincente dos órgãos metrológicos de todo o país”.


 



Ipem-SP também flagrou caminhão que fraudava postos revendedores, descarregando 600 litros a menos de combustível do que o registrado. (No detalhe): mecanismo da fraude.


 


Entrevista


Fraudadores na mira da prefeitura paulista


O prefeito de São Paulo conversou com a reportagem da revista e prestou alguns esclarecimentos acerca do trabalho da PMSP no setor de combustíveis antes e depois do convênio firmado com a ANP.


 


Posto de Observação: A prefeitura já vinha fazendo autuações em postos flagrados com produtos adulterados. O que efetivamente muda na atuação do órgão com o convênio firmado com a ANP no início de maio?


 


Gilberto Kassab: Antes do convênio, o Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru), órgão da Secretaria de Habitação, somente podia fechar os postos que apresentassem problemas de segurança. Nos casos de combustível adulterado, quem deveria lacrar o estabelecimento seria a ANP. Porém, a partir do convênio e do treinamento dos engenheiros químicos do Contru por técnicos da ANP, os fiscais da prefeitura também poderão lacrar o posto que vender combustível fraudado. Isso é um enorme avanço na fiscalização, que fica mais efetiva e atuante.


 


P.O. – O senhor citou em recente entrevista coletiva que os bandidos passaram a agir nos finais de semana porque a fiscalização tem sido menor nesse período. Há algo a ser feito já que o efetivo de fiscais não se modifica – já que não ocorrem concursos, contratações etc. -, para minimizar o problema?


 


G.K - O ponto positivo dessa questão é que isso vem ocorrendo por conta de a prefeitura estar atenta, fiscalizando e tomando providências. O órgão não prende, mas chama a polícia para prender quem vende combustível adulterado e é pego em flagrante. Nos finais de semana, os fiscais trabalham em esquema de plantão, período em que o número diminui bastante. Mas mesmo no fim-de-semana o Contru trabalha e faz blitze. Além disso, a Secretaria de Habitação está providenciando a contratação de mais 15 engenheiros e 30 estagiários das áreas de engenharia, direito e administração.


 


P.O - A prefeitura pretende fazer algo com relação aos postos que foram flagrados em reportagens da TV Globo, utilizando o sistema de válvula para modificar a passagem do combustível adulterado para o bom na presença da fiscalização? Há como chegar a esses postos?


 


G.K – É evidente que o trabalho da imprensa e as denúncias encaminhadas pela população são ferramentas essenciais nesse trabalho de combate ao crime, mas, independentemente dessas denúncias, temos um cronograma de fiscalização, em parceria com a ANP, para avaliar as condições de todos os postos de combustíveis da cidade. Já iniciamos um programa ininterrupto de fiscalização, que pretende verificar toda a rede de postos da cidade a cada seis meses.


 


P.O – O mercado de combustíveis, que vem há anos sofrendo com problemas de adulteração, nunca viu uma comissão tão bem organizada como esta da força-tarefa. O senhor acredita que esse é o momento de, efetivamente, pôr um fim às mazelas do crime organizado que se voltou para o segmento de combustíveis para ganhar dinheiro fácil?


 


G.K - Com certeza este é um momento muito importante no combate ao crime, porque toda a sociedade participa do processo, seja denunciando ou evitando consumir produtos de postos suspeitos. Os órgãos públicos como prefeitura, governo federal e estadual estão juntos nessa tarefa porque é obrigação das diferentes esferas garantir os direitos do cidadão. Os resultados até agora são muito positivos e tenho certeza de que a sociedade como um todo vai conquistar o objetivo de acabar com o crime organizado nesse segmento.


 


 


Adulteração começa a cair em São Paulo


Pesquisa que mede o índice de não-conformidade registrou queda de 0,5% no estado.


 


Ainda é cedo para avaliar os resultados do cerco da força-tarefa contra os adulteradores de combustíveis em São Paulo. Porém, o índice de não-conformidade da gasolina no estado caiu 0,5% no trimestre de março a maio, segundo o último boletim do Programa do Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis emitido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O dado mais recente, coletado até o dia 12 de junho, registra que a agência realizou 2.729 ações de fiscalização no estado, que resultaram em 918 autos de infração e 188 interdições a estabelecimentos. Na capital paulista, das 759 ações de fiscalização, 247 geraram autos de infração e 75 interdições.


 


Índice de não-conformidade da gasolina no estado de São Paulo





















Combustível


2003


2004


2005


2006


2007 (fev/mar)


2007 (mar/mai)


Gasolina


11,3%


11,3%


7,5%


7,2%


5,5%


5%


 


A média nacional de não-conformidade da gasolina (3,1%) também caiu em relação ao trimestre anterior (3,3%). Conforme pesquisa da agência, em diversos estados essa média foi superada: Sergipe (7,5%), Rio de Janeiro (7,2%), Alagoas (6,6%), Pará (5,8%), Pernambuco (5,6%), Acre (5,6%), São Paulo (5,0%), Rondônia (4,6%) e Paraná (3,4%). Segundo a ANP, em números absolutos a Região Sudeste representa 49% do mercado, sendo que o estado de São Paulo tem sido foco de 25% das ações de fiscalização realizadas neste ano.