por Elaine Paganatto


 


O mercado do álcool está superaquecido. A produção está a todo vapor, chegando à casa dos 20 bilhões de litros nesta safra, de acordo com o diretor da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, Antonio de Pádua Rodrigues. Desse volume, cerca de 80% são destinados ao mercado interno, dividindo-se entre hidratado e anidro. O restante dessa produção é exportado para países que já passaram a misturar o produto na gasolina ou para aqueles que vêm importando motores flexfuel brasileiros como a França, por exemplo, ou ainda são transformados em açúcar.


O expressivo crescimento da demanda de álcool deveu-se principalmente aos automóveis bicombustíveis que circulam no Estado de São Paulo. Na visão de Pádua, ainda existe uma fatia de consumidores que não foi atingida. “A frota flex é crescente, mas não alcançou todo o seu potencial. Ainda temos 30% de veículos circulando, que nunca usaram álcool, talvez por desconhecimento ou falta de informação correta acerca do produto. Outros colocam num momento álcool, noutro gasolina e, por último, há aqueles que misturam os dois produtos”, explica.


Para chegar ao filão que ainda não privilegia o álcool no abastecimento, a Única está desenvolvendo uma campanha na mídia abordando os benefícios do combustível, entre outras coisas, no que se refere ao meio ambiente e ao preço em relação à gasolina.


Apesar de o momento ser bastante interessante para os usineiros, eles salientam que ainda há muito que fazer para que se possa comemorar, efetivamente, as boas safras dos últimos anos.


O maior dos problemas que julgam condenar o mercado de álcool no país é o da tributação, que é bastante diferenciada de um Estado para o outro. Enquanto que a gasolina - um produto estável, com um único fornecedor -, chega à “porta” da refinaria, o álcool tem sua produção centralizada nos estados de São Paulo e Paraná e perde com o custo do transporte para chegar até os grandes centros de comercialização. Isso faz dele um produto não competitivo com a gasolina em determinadas localidades, e, por isso mesmo, necessitaria de uma tributação própria para a sua natureza. Uma outra questão levantada por Pádua é a da sazonalidade da produção, que tem seu ápice entre os meses de maio e novembro, e que depois disso tem de garantir o abastecimento do mercado até o início da próxima safra (abril do ano subseqüente).


O executivo da Única comenta que neste último caso, existe uma insatisfação porque todo o estoque fica nas mãos do usineiro, e estes não têm garantias, já que o mercado funciona no spot, e que não sabem exatamente para qual mês uma distribuidora de combustíveis vai querer o álcool. Além disso, salienta que todos querem comprar mais ou menos pelo mesmo preço (não importando se o produto está R$ 0,50, R$ 1,00),  depois agregar a sua margem e vender para a revenda de combustíveis.


“O álcool está sujeito à alteração por causa da oferta e demanda. Se ocorrer variação entre esses dois fatores, há brutal impacto de preços. Num momento cai demais para o produtor, noutro sobe demais. Isso tem de ser resolvido. Do contrário, haverá sempre as significativas variações na safra e entressafra”.


De acordo com Pádua, o produtor de álcool trabalha sem lucro durante cerca de sete meses, para depois tentar compensar em pouco tempo com preços elevados. Para ele, essa volatilidade de preços não é desejável para o produtor, tampouco para o consumidor que não entende o porquê de pagar um preço em determinado período e desembolsar quase o dobro em outro.


 


Mecanismos de mercado


 


O diretor da Unica defende que é necessário encontrar um mecanismo de mercado que minimize essa volatilidade de preço, fazendo-o ficar a maior parte do tempo satisfatório ao produtor, à distribuidora, à revenda e, conseqüentemente, ao consumidor.


Ele acusa um mau funcionamento de mercado e atribui às muitas regras que foram criadas para combater a sonegação fiscal, que ocorria em grande escala na fase de distribuição. “Assim”, ressalta, “o mercado é livre, mas nem tanto”. Em sua opinião, as diversas normas de conduta (necessárias, em algumas situações, certamente) engessaram o mercado. Os produtores não gostam da idéia de que somente possa ser um fornecedor de álcool aquele que o produz. Para Pádua, fornecedor de álcool é aquele que tem o produto para vender, não importa que o produza ou não. Ele destaca ainda a situação do posto revendedor que somente pode comprar álcool se uma distribuidora de combustíveis fizer a intermediação entre a usina e ele. “Por quê?”, pergunta.


O representante dos produtores acredita que as distribuidoras têm o seu filão garantido no mercado com a gasolina e que não necessitariam intermediar também a compra de álcool para os postos revendedores.


Porém, para que fosse possível a venda direta aos postos seria necessária a revisão da tributação do produto. PIS e Cofins passariam a ser recolhidos pelo elo produtivo, na usina. Existe legislação que aborda essa questão, mas que ainda não foi regulamentada e, que, portanto, não pode ser aplicada. Um dos entraves dessa situação, na opinião de Pádua, é que “ninguém quer perder a arrecadação, que no caso do álcool, tem se mostrado crescente e promissora”.


Mas não é somente a mudança da tributação que resolveria a questão do álcool, outras medidas de controle também deveriam ser adotadas. A instalação de medidor de vazão na esfera da produção - que apontasse exatamente o quanto de álcool seria comercializado -, além da implementação de equipamentos de nota fiscal eletrônica, que corrigiriam o problema da sonegação, seriam duas alternativas.


Pádua acredita que se houvesse a definição de regras rígidas, claras e objetivas, haveria uma competição saudável entre produtores e até mesmo abrir-se-ia espaço para que outros agentes como bancos ou trading passassem a fazer parte da cadeia de comercialização, por intermédio da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), por exemplo. “Mais agentes, menos volatilidade de preços”, diz.


 


Monopólio do álcool


 


Ao invés das providências esperadas, o Governo cogita a possibilidade de monopolizar a produção e a venda de álcool no país, o que estaria muito distante daquilo que os produtores pretendiam. A explicação para tal iniciativa evitar o desabastecimento do mercado interno quando as propostas do mercado externo se mostrarem mais atrativas.


Para Pádua, esse assunto não está devidamente explicado. Não se sabe o porquê de a Petrobras ter interesse no mercado de álcool, já que todo o seu plano estratégico está voltado ao crescimento do mercado interno de gasolina.


“A Petrobras tem uma política para a sua produção de petróleo e gasolina. Já o produtor de álcool, que não tem interesse no mercado de derivados de petróleo, está investindo na expansão de novos projetos para a plantação de cana-de-açúcar e, uma vez que o mercado externo não existe, ou seja, não há contratos de fornecimento estabelecidos, toda a atenção do usineiro está voltada para o mercado nacional. Não há a possibilidade de ocorrer desabastecimento”.


Na visão do diretor, há que se criar políticas públicas para ambos os combustíveis, a fim de que eles concorram de maneira sadia, cada um na sua modalidade. “É preciso uma definição clara da política do uso dos combustíveis líquidos no país, como por exemplo, determinar qual é a participação do álcool e da gasolina na nossa matriz de combustíveis?”.


 


Usineiros e Governo sentam-se à mesa


 


Há pouco mais de dois meses, o Governo chamou os usineiros para que dessem explicações sobre o mercado de álcool. Entre outras coisas, discutiu-se acerca dos preços que não chegam ao consumidor na mesma proporção em que caem na usina. Com eles, estiverem representantes de entidades ligadas à revenda de combustíveis que explanaram as suas percepções sobre o setor.


O Governo decidiu criar um grupo de trabalho, mesclado com o setor privado, para que especificamente se debruçassem sobre a questão do álcool enfocando a tributação e para que fosse apresentada uma proposta de regulação para os combustíveis renováveis. Segundo Pádua, o que foi apresentado pelo Governo não interessou o setor privado. “O Governo queria controlar todo o processo, da produção a comercialização. Queriam interceder até na venda de álcool para o mercado externo”, explica.


Ele relembra que foi após a extinção do Instituto do Açúcar e Álcool (IAA) que começou a expansão do mercado e o setor pulou de 1 milhão de toneladas de açúcar/ano na exportação para 20 milhões de toneladas. O setor era proibido de exportar açúcar e quem o fazia era o Governo. “Nesse período, houve aumento da oferta de cana e decrescência da de álcool. O carro a álcool estava morrendo e quem alavancou e manteve a produção de álcool da ordem de 12 bilhões de litros foi a expansão da cana-de-açúcar para abastecer o mercado externo. Foi quando o Governo liberou o o mercado, em 88, 89. O preço que era tabelado no produtor a R$ 0,41 caiu para R$ 0,14. Hoje, se o setor fosse comparado com a pós-liberação se perceberia que o preço está perto de 20% mais barato”.   


Toda essa explicação sintetiza a descrença do usineiro na regulação de mercado feita por meio de um instituto próprio. Para ele, o que está a cargo da Agência Nacional do Petróleo (ANP), cuja função é garantir a qualidade do produto e rastrear esse combustível no mercado, como faz com a gasolina, já é suficiente.


“O mercado não precisa de tabelamento de preços, de cotas de produção. Não precisa de normas para proibir a exportação. Precisa de regras claras para investidores. Para montar uma usina gasta-se em média, US$ 140 milhões. Portanto, quem monta uma estrutura desse gênero, precisa ter segurança de retorno. Hoje são 80, 90 usinas em construção. Todos estão construindo em função da expectativa do mercado que se apresenta. Não é possível que amanhã, um agente apareça e dite regras do tipo: está proibida a venda para o mercado externo”, salienta.    


Por conta de tantos senões, o Governo sugeriu que o setor privado elaborasse suas propostas e as levasse para discussão. Pádua lamenta que até o momento não haja nada de concreto no setor. Por conta de tantos entraves, cogita até a possibilidade de que o usineiro transforme-se em distribuidora para, pelo menos, ter a possibilidade de vender direto aos postos de combustíveis. A explicação é bastante convincente: “O preço para o produtor caiu para menos de R$ 0,60 em maio. Essa queda demorou quase 14 semanas para chegar à bomba dos postos. Se o produtor tiver relacionamento direto com a revenda, esse repasse é imediato. Não é possível que o consumidor apenas goze do benefício perto do fim da safra, quando o valor do produto já está perto de aumentar por causa da entressafra”, destaca.


 


Tempos de bons ventos


 


Mesmo com tantos problemas ainda por resolver, não há como negar que o mercado de álcool vive dias de plena satisfação. “Cada ano é uma história diferente, mas nestes últimos temos vivido o auge do setor alcooleiro. Há a expectativa de vender tudo o que se produz no mercado interno e ainda contamos com a possibilidade de vir a existir um mercado externo promissor para o nosso álcool”.


Para os produtores esses bons ventos ainda não são suficientes para deixá-los confortáveis. Em sua visão, é preciso que sejam criadas políticas claras, que o álcool seja padronizado mundialmente para ser misturado à gasolina de outros países, bem como criados incentivos para aqueles que ainda não utilizam a mistura, além de transformar o álcool numa commodity. Mas o principal, em sua opinião é acabar com os ciclos do álcool que ora são positivos, ora negativos, o que inibe os investimentos no setor.


Assim, a curto prazo a grande mudança que estão promovendo no setor é a abertura de capital. O segmento que contava com empresas de sociedade limitada e posteriormente passaram a ser S.A, vão criar, agora, a oportunidades para que outros acionistas participem e invistam nesse mercado. “Não é a melhor saída, mas é uma delas!”.