por Cristiane Collich Sampaio


 



Por sinal, talvez sejam essas duas características, inquietude e obstinação, aparentemente opostas, que levaram Amyr Klink a ter êxito na execução de seus ambiciosos e arriscados projetos.


Este célebre navegador brasileiro, que ficou conhecido especialmente por sua audácia, em viagens solitárias à Antártica, tem muito que contar. Seu interesse por navegação e pelo continente gelado foi despertado, segundo ele, exclusivamente com a leitura. “Morava em Paraty (RJ) e li relatos fascinantes sobre a fase heróica das viagens à Antártica, entre o final do século XIX e início do XX, como a competição entre o norueguês Roald Amundsen e o inglês Robert Scott, com a vitória do talento e da paixão sobre a arrogância do poderio britânico”, alfineta. “A ausência da televisão faz com que se tenha idéias estúpidas, como atravessar o oceano a remo”, brinca, referindo-se à travessia do Atlântico Sul, em 1984, sua primeira grande viagem: “adorei essa experiência pelos erros que cometi e por aprender com eles”.


Ele rechaça o título de aventureiro, que costumam lhe atribuir. “A navegação não é uma aventura; é um permanente exercício de gestão, em que se mudam rotas e se faz opções o tempo todo”, esclarece. “A Antártica é um local de altíssimo risco, pelas condições do tempo, pelos blocos de gelo flutuantes, mas os acidentes são raros, porque quem vai para lá fica atento; em solitário chega-se a dormir em intervalos de apenas 40 minutos”, afirma.


O projeto da Antártica ficou adormecido por muito tempo. Teve de construir o primeiro barco – o veleiro Paratii – aos poucos, pois não tinha dinheiro, mas declara que “teria feito qualquer coisa para poder fazer essa viagem”. Essa odisséia foi iniciada em dezembro de 1989, uma viagem solitária de 642 dias, parte dos quais, encalhado, voluntariamente, no gelo, durante o inverno.


Este economista, com pós-graduação em administração de empresas, diz que teve “o privilégio de ser uma testemunha das alterações climáticas” registradas nas últimas décadas, como a elevação do nível do mar, em Paraty, e as que observou nas mais de 25 viagens ao Pólo Sul, parte das quais, mais recentemente, com a família: a esposa Marina e as filhas Laura, Tamara e Marininha. “Em 84 era possível dispensar protetor solar, ficar sem camisa e tomar banho de sol pelado”, lembra, relatando que numa de suas últimas viagens, alguns exploradores, expostos ao sol sem proteção, tiveram queimaduras sérias. A atual fragilidade da camada de ozônio ainda o forçou a substituir as correias da embarcação, pois o material usado anteriormente não resiste à intensidade das irradiações ultravioletas atuais.     


 


O novo barco


Para quem já realizou a proeza de atingir 22 mil milhas náuticas (quase 41 mil quilômetros) de autonomia com o veleiro Paratii II, a superação dos limites da eficiência energética não parece ser um obstáculo intransponível. Esse é um dos focos do projeto do catamarã, seu novo barco.


“Velejar é bonito, mas a vela é mais cara que a propulsão mecânica”, constata. Atualmente Amyr Klink gosta de acreditar nas “possibilidades dos combustíveis alternativos”, como o óleo de cozinha usado e reciclado, para queima direta no motor, como o produzido no Sul: “ele aumenta a durabilidade do motor e retira dos esgotos um resíduo muito nocivo ao ambiente”. Além disso, lembra que o motor diesel foi idealizado para usar óleos vegetais.


Para o novo projeto também estão sendo feitas pesquisas com motores híbridos. Trata-se, segundo ele, de uma solução simples, com um equipamento elétrico, que é silencioso, acoplado ao eixo do hélice. Esse sistema pode ser usado quando não há necessidade de grandes velocidades – quando da navegação na Antártica, para observar aves e baleias, ou nas águas calmas da Baía de Paraty – e para abastecer geradores em caso de pane nos motores, aumentando a segurança da navegação.


Para o navegador, o crescimento exponencial do turismo e o aumento do número de acidentes no último ano deverão determinar maior controle sobre a região polar. “A tendência é que o tamanho dos barcos diminua, para comportar menor número de passageiros, mas, com isso, os preços deverão subir”, conclui. O catamarã deverá atender a essa demanda: um barco mais ágil, para levar entre 18 e 45 passageiros, mais tripulação, equipamentos e botes semi-rígidos, facilitando a mobilidade de grupos de pesquisadores, mergulhadores e turistas na região, com um custo na casa dos US$ 50 mil. “É uma opção mais barata do que os navios, para grupos de pesquisadores de 15 ou 20 integrantes”, anuncia.


Porém, declara que não quer ser o proprietário exclusivo do barco; seria o operador por até quatro anos. E comenta, divertido: “depois que eu viajo, o barco não tem mais tanta graça.”


No momento seu estaleiro está ocupado na finalização de uma embarcação, que vai para a Suíça, e com a construção de dois catamarãs que se destinam aos EUA. “Acho que ainda vão passar uns 14 meses para eu iniciar meu projeto”.


 


Novas empreitadas


Amyr conta que recebeu uma proposta do governo da Austrália, que deseja usar o Paratii II para desmascarar a matança ilegal de baleias, coletando material genético desses mamíferos e comparando-o com o da carne vendida em países como o Japão. “Navios espantam as baleias”, explica.


Também se candidatou a assumir a Base Dorian na Antártica – “uma das mais simpáticas” – e sua proposta foi bem aceita pela AHT, uma fundação que cuida de instalações e sítios históricos do Reino Unido. Após obras de restauração, esta, assim como a de Tabarin, entre outras – que são casinhas com dimensões entre 40m2 e 80m2 e que abrigaram operações secretas dos aliados –, poderão ser usadas para fomentar o conhecimento sobre a região. “Se minha proposta for aceita, poderemos manter uma tripulação fixa no local, inclusive no inverno, e aceitar projetos de escolas”, planeja.


Além destas, atualmente também se dedica a outras atividades: a edição de livros sobre a Antártica, para a editora Companhia das Letras; a preparação de uma espécie de compêndio sobre o continente – com história, mapeamento de espécies, etc. –, junto com Marina; e a plantação de uma espécie brasileira de bambu gigante, o bambu guadua.


Segundo ele, diversas pesquisas apontam as vantagens do guadua na substituição da madeira: “só demora três anos para crescer, é 8% mais leve e 16% mais duro do que uma peça de ipê, por exemplo, não absorve água e é muito bonito.” Ao lado dessas, ele cita como qualidades o fato de ser estável, não deformar e oferecer opções de laminagem.


Em janeiro, a Discovery Channel exibiu um documentário intitulado Azul Profundo, sobre a vida selvagem nos oceanos. A narração da versão brasileira contou com a voz de Amyr Klink.


Para conhecer mais sobre este navegador, suas viagens, projetos, palestras e livros, acesse o site www.amyrklink.com.br.