por Márcia Alves


 


Ao contrário do que apontam os índices oficiais, a adulteração de combustíveis está aumentando no estado de São Paulo. O resultado dos testes de qualidade dos combustíveis realizados semanalmente pelo Sincopetro em parceria com a Rádio Bandeirantes indica que a média atual está em torno de 15%. Porém, no decorrer deste ano já atingiu picos estratosféricos, como os 27% registrados no mês maio, fato comprovado na série de reportagens exibidas em meados de junho pela TV Globo. Oficialmente, o índice de adulteração no estado está estacionado há mais de um ano na média de 4%, segundo apurado pelo Programa de Monitoramento da Qualidade da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).


 


Mas, a bem da verdade, os índices de adulteração nunca foram baixos. Em quatro anos de campanha pela qualidade dos combustíveis, o laboratório móvel do Sincopetro testou 10.032 amostras, até maio deste ano, apurando que 2.391 estavam fora das especificações, o que representa um índice de não conformidade de 24%. Nesse período, o percentual mais alto de adulteração (56%) foi verificado em novembro de 2004 e o mais baixo em julho de 2007 (8%). Mas, de acordo com a ANP, a média de não conformidade dos combustíveis só ultrapassou os dois dígitos em 2005, quando atingiu 11,5%, baixando para 7,2% no ano seguinte e se mantendo na média de 4% desde 2007.


 


Amparado pelos números obtidos nos testes do Sincopetro, o repórter da TV Globo César Tralli decidiu sair à campo para checar a veracidade dessas informações. Há exato um ano depois da primeira série de reportagens que escancarou o grave problema da adulteração em São Paulo, Tralli se mostrou surpreso ao constatar que os índices voltaram a subir com força total. A matéria levada ao ar no mês junho mostrou que 19 dos 20 postos visitados pela reportagem vendiam combustíveis fora dos padrões de conformidade. O curioso é que mesmo diante dessa evidência, a ANP se nega a reconhecer que a máfia dos combustíveis voltou a atuar no estado.


 


Em entrevista concedida à revista Posto de Observação, o coordenador do escritório da ANP em São Paulo, Alcides Araújo, depreciou a base científica e a metodologia dos testes realizados pelo Sincopetro. Ele alega que apenas os motoristas que têm dúvidas sobre a qualidade do combustível abastecido no tanque de seus veículos ? ?muitas vezes comprado mais barato em postos diversos?, frisou ? é que se dirigem ao laboratório móvel para realizar o teste. Araújo também questiona o processo de apuração da TV Globo, o qual chegou a classificar de ?irresponsável?, sobretudo no caso envolvendo os postos de Guarulhos, na Grande São Paulo, em que a reportagem apurou o índice de 50% de adulteração. ?Não acho correto analisar amostras de seis postos e ao encontrar três fora de conformidade divulgar que metade dos postos da cidade adultera?, disse.


 


Quanto à metodologia e os resultados obtidos nos testes do Sincopetro, o presidente da entidade, José Alberto Paiva Gouveia, fez questão rebater as criticas de Araújo. ?Jamais tivemos a pretensão de fiscalizar o mercado. Os testes são apenas um parâmetro da situação do setor e uma prestação de serviços à população?, disse. Mesmo a par dos reais índices de adulteração, Gouveia afirmou que o Sincopetro nunca utilizou os resultados para denunciar os postos irregulares. ?O teste é um instrumento, mas nunca a solução para os problemas do mercado?, acrescentou. Dizer que o resultado não reflete a realidade apenas porque, como alegou o representante da ANP, a maioria dos motoristas realiza o teste por desconfiar da qualidade do combustível, não é o bastante para depreciá-lo, na visão do dirigente. ?Quem não duvida da qualidade de parte dos combustíveis vendidos em São Paulo atualmente??, questiona.


 


Ele lembrou que em reconhecimento à contribuição do Sincopetro no combate à adulteração, o então governador do estado Geraldo Alckmin convidou a entidade a participar da elaboração de duas importantes leis hoje em vigor, a de cassação da inscrição estadual de estabelecimentos com produto fraudado e a de perdimento, que dá destino ao combustível adulterado apreendido. Desde 2007, a convite do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o Sincopetro também integra a força-tarefa formada por órgãos do governo nas três esferas legislativas. ?Esse é o resultado do nosso trabalho?, afirmou.


 



Os indícios e as ações


 


?Preço abaixo do mercado é indício de irregularidade?. A opinião é do presidente do Sincopetro, mas é também compartilhada por grande parte dos representantes do setor. ?Se o posto recolher os tributos devidos, o consumidor pagará um preço justo. Por isso, não há milagre: preço muito baixo é sinal de alguma irregularidade?, afirma o diretor de Defesa da Concorrência do sindicato das distribuidoras (Sindicom), José Augusto Neves. O diretor de Administração Tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo, Sidnei Sanches, concorda com os demais, informando, inclusive, que esse indício é que define as ações de fiscalização do órgão. Porém, ele ressalta que combustível barato também pode sinalizar a prática de outras fraudes, como de volume. ?Desconfiem de promoções milagrosas?, é o alerta que a ANP costuma fazer aos consumidores, segundo seu representante em São Paulo, Alcides Araújo.


 


Mas, se todos ? representantes de órgãos do governo e de entidades de classe do setor ? sabem disso, por que o problema da adulteração persiste? A resposta não é tão simples quanto a pergunta. A questão é que, para coibir esse tipo de crime, seus autores têm de ser flagrados com o combustível adulterado, seja vendendo, transportando ou estocando. Para isso, entretanto, tem de haver fiscalização, e mais: a atuação de algum órgão do governo com poderes de ?polícia?. Na prática, esse poder pode ser exercido pela Secretaria da Fazenda, na cassação da inscrição estadual do estabelecimento, ou por outros órgãos, como o Instituto de Pesos e Medida (Ipem) ou de defesa do consumidor, caso do Procon, porém não pelo crime de adulteração, mas por prática de cartel ou por equipamentos irregulares.


 


É praticamente unânime no setor a crença de que a maior fiscalização poderia inibir esse tipo de crime. Porém, até a própria ANP, que dispõe de apenas 85 fiscais em todo o país, já reconheceu em entrevista concedida à TV Globo, que está falhando nessa tarefa. A Secretaria da Fazenda, uma das mais interessadas em sanear o mercado, já que a arrecadação de tributos sobre os combustíveis é sua maior fonte de recursos e a sonegação já beira os R$ 2,5 bilhões anuais, tem contabilizado alguns bons resultados com a operação De Olho na Bomba, desde 2005. ?Já cassamos a inscrição estadual de 596 postos e ainda há outros 165 com processo de cassação em andamento?, informa o diretor Sanches. Ele conta que a ação já alcançou as distribuidoras de combustíveis, com a cassação da inscrição de 65 empresas há dois anos.


 


Graças ao trabalho de conscientização do Judiciário empreendido pelo Sindicom, segundo Neves, o número de liminares concedidas às distribuidoras irregulares é coisa do passado. No âmbito da Justiça também, o Ministério Publico Federal do Rio de Janeiro, numa iniciativa inédita, está tentando garantir o ressarcimento aos consumidores que adquiriram combustível adulterado. A partir do resultado de fiscalização da ANP que comprovou a Tadição de solvente nos produtos vendidos em dois postos do estado, o procurador Marcio Barra Lima pede indenização pelos danos provocados aos veículos desses consumidores.


 


Entretanto, em São Paulo uma lei estadual que poderia se tornar um dos instrumentos mais eficazes no combate à adulteração, ainda não foi utilizada. Apesar de ter sido regulamentada recentemente, pouco mais de um ano desde a sua aprovação, a Lei 12.675, conhecida como lei do perdimento ainda está no papel. Sanches, diretor da Secretaria da Fazenda, acredita que o impedimento seja apenas logístico, porque ainda falta definir qual órgão do governo ficará responsável pela guarda do combustível apreendido. ?A questão está focada em quem faça essas leis serem cumpridas?, diz o presidente do Sincopetro. ?Mas, qual é a dificuldade para aplicá-las??, questiona.