por Márcia Alves


 


De jornal tablóide a revista mais importante do setor de combustíveis, a Posto de Observação percorreu 30 anos de trajetória, refletindo e analisando os acontecimentos desse período. Em três décadas, o mundo mudou, o país se transformou e o mercado de combustíveis não se parece em nada com aquele retratado no primeiro número do jornal PO, publicado em outubro de 1978.


 


Há 30 anos


Naquela época, em pleno regime militar, vigorava o racionamento de combustíveis, os preços eram tabelados pelo Conselho Nacional do Petróleo (CNP), que controlava com mão-de-ferro o setor de petróleo e de combustíveis no país. Além de proibir a abertura de novos estabelecimentos, o órgão tinha poderes para restringir o horário de funcionamento dos 16 mil postos de então. Com um volume médio de vendas de 80 mil litros por mês, os empresários pleiteavam do Governo a correção da margem de revenda, além de uma solução para o caso das distribuidoras que vendiam direto aos grandes consumidores e a preço menor, concorrendo com o varejo.


 


Havia ainda a concorrência desleal das trocadoras de óleo e das lavagens automáticas. Os maiores prejuízos eram causados pelos cheques sem fundos e pela diferença de volume de gasolina repassada pelas distribuidoras, em função da temperatura. O Proálcool estava em curso e previa-se a fabricação de 140 mil veículos com motor a álcool.


 


O mercado mudou


A partir desse cenário, pode-se dizer que quase tudo mudou. O número de postos mais que dobrou, o mercado foi liberado para definir seus preços e o volume médio vendido por estabelecimento chegou à casa dos 200 mil litros. O etanol, que estava condenado pelo fracasso do Proálcool, na década de 90, voltou com força total a partir de 2003, impulsionado pelos veículos flexíveis, que hoje somam mais de 5 milhões em circulação. Até a imagem do posto de gasolina sujo e mal cuidado evoluiu, cedendo lugar aos postos de serviços, modernos e ecologicamente corretos.


 


O revendedor também se modificou – para melhor. Se nos anos 70, ele era um mero administrador de contas e seu trabalho limitava-se ao preenchimento do mapa do CNP (registro diário de entradas e saídas de cada combustível), hoje é um gestor profissional, que precisa entender de finanças e de leis. O aumento da concorrência, o encolhimento das margens de lucros e mais a necessidade de adequação à legislação ambiental, que requereu gastos em obras e equipamentos, obrigou a essa qualificação.


 


Os avanços tecnológicos incorporados à revenda também revolucionaram o modo de gerir os negócios. As bombas mecânicas e os tanques de ferro do final da década de 70 tornaram-se obsoletos, assim como a famosa régua de medição. No novo milênio os padrões são outros: as bombas são automatizadas, dotadas de leitor de código de barras e de vídeo. Os novos tanques, jaquetados ou de parede dupla, dotados de sensores, evitam vazamentos e contaminação de solo, com a garantia dos testes de estanqueidade.


 


Concorrência é o problema atual


Se em 1978, o pleito da revenda era a liberdade de mercado, hoje, há quem sinta saudade do paternalismo governamental. Com a descentralização de impostos, determinada pela Constituição Federal de 1988 e os preços livres a partir de 1996, abriu-se uma brecha para oportunistas e sonegadores, desequilibrando a concorrência. O marco inicial da flexibilização se dá em 1990, pela transformação do CNP em Departamento Nacional de Combustíveis (DNC), com a gradativa redução da interferência do Governo no setor, a partir de então.


 


Dez anos depois, com a liberação do preço do diesel, enfim o mercado foi totalmente aberto sob o comando da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que, sem o poder e a estrutura dos órgãos que substituiu, teve dificuldades para fiscalizar o setor, facilitando o surgimento de irregularidades, como as relacionadas à qualidade dos combustíveis. Os casos de adulteração de combustíveis, que nos anos 70 se contavam nos dedos, aumentaram vertiginosamente a partir do final da década de 90. Das 400 distribuidoras de combustíveis registradas logo após o início da abertura, 226 estão em operação ou, ao menos, com registro ativo na ANP. Um número ainda alto se comparado ao de 1978, quando existiam apenas seis companhias.


 


A liberdade de mercado foi sem dúvida o fato mais importante nos últimos 30 anos. Porém, os desafios foram muitos. A indústria de liminares, a sonegação de impostos, a adulteração de combustíveis, a concorrência com os supermercados e as despesas de adequação às exigências ambientais custaram a sobrevivência de muitos postos. Mas, pode-se dizer que o setor passou com louvor por essas provas. Atualmente, mais equilibrado e saneado, resta ainda o desafio de combater a adulteração, a qual, mais cedo ou mais tarde, espera-se, será apenas uma lembrança. E a PO tem orgulho de ter acompanhado cada momento dessa trajetória, renovando-se várias vezes. Mas, sem nunca perder de vista seus valores fundamentais, apresentando os fatos, com inteligência, credibilidade e isenção. Eis o segredo do seu sucesso.


 


 



“Éramos felizes e não sabíamos”


A concorrência acirrada de hoje faz com que Oliveira tenha saudades.


 


Os acontecimentos que marcaram o final da década de 70 ainda estão bem vivos na lembrança de David de Oliveira, proprietário do Posto Caiuby, na capital paulista. No local desde 1969, ele é testemunha das grandes transformações que ocorreram na cidade e na revenda. Basta dizer que no primeiro dia de funcionamento do posto – que fica de frente para a avenida Sumaré, hoje uma das três de maior fluxo da cidade – não passou um único veículo pelo local. “Pensei até em desistir do negócio”, recorda-se.


 


Associado do Sincopetro, Oliveira apoiou, na época, a criação do jornal Posto de Observação. “Mas não havia muito que reclamar, porque tudo era controlado pelo Governo”, afirma. Sem concorrência, revela que se esmerava no atendimento. Quando o CNP anunciava aumento da gasolina, ao contrário dos demais postos que limitavam o abastecimento, ele abria todas as bombas e vendia o estoque inteiro. “Ganhava pela quantidade”, diz.


 


Também investia em inovações. O posto foi o primeiro da capital a utilizar um filtro acoplado à bomba para eliminar impurezas dos combustíveis. Na década de 70, quando, por uma manobra do Governo, foi permitida a abertura de novos postos, Oliveira disse que viu despencar da noite para o dia a galonagem do posto. Desestimulado, seguiu viagem com a família para o Nordeste. Numa pequenina cidade do Piauí descobriu o filtro, e pensou “esta é a minha salvação”. E foi mesmo. Depois de instalar o equipamento, recuperou a galonagem e nunca mais a perdeu.


 


Hoje, diante da acirrada competição e da atuação de adulteradores de combustíveis, Oliveira diz que “o setor está na UTI”. Quando se lembra que lutou muito pela autonomia da revenda, admite que “era feliz e não sabia”. Seu desejo é viver ao menos “mais duas Olimpíadas” – é assim que ele contabiliza o tempo – “para continuar brigando pelas causas da revenda”.


 



Tabelamento era melhor


A opinião é de um veterano dono de posto que viveu os “bons tempos”, na sua opinião.


 


Apesar dos seus mais de 80 anos, Antonio Scavone não descuida do posto de bandeira Shell, de sua propriedade, localizado na esquina da avenida Dr. Arnaldo com a rua Cardeal Arcoverde, na capital paulista. Suas filhas administram o estabelecimento, mas ele permanece atento a cada detalhe. E aponta que o maior problema na atualidade é a concorrência. “É impossível vender pelo mesmo preço daqueles que misturam”, avalia. No final dos anos 70, Scavone chegou a possuir 12 postos. Mas, vendeu um por um nos tempos de alta inflação, ficando apenas com o atual, que também tem sofrido os efeitos da competição desleal. “Vendíamos mais de 500 mil litros por mês; agora não passamos de 150 mil”, lamenta.


 


Se o consumidor optasse por qualidade ao invés de preço baixo, ele tem certeza que não haveria tantos postos adulterando. Ele acredita que muitos sequer se dão conta dos problemas que o combustível batizado causa ao motor. Para Scavone, bom mesmo era o tempo em que os preços eram tabelados. “Havia menos companhias, as margens eram mais altas, não se podia abrir postos muito próximos uns dos outros e não existiam tantas leis como hoje”, observa. Por isso, quando questionado sobre o que fazer para melhorar o mercado, ele responde sem titubear: “voltar o tabelamento”.


 



Como os clientes voltaram aos postos


Hoje, os revendedores se esforçam para conquistar e manter clientes. Mas, nem sempre foi assim.


Para Vittório Leone, da Leone Equipamentos, o atendimento aos clientes passou por três fases distintas. No período anterior à abertura, diz que os revendedores investiam em atendimento para ter um diferencial. “Lavagem, troca de óleo e serviços rápidos de borracharia e auto-elétrico garantiam mais clientes fiéis aos postos”.


O período mais crítico, a seu ver, ocorreu durante a desregulamentação, quando abandonaram a prestação de serviços para competir em preço. “Com isso, os clientes migraram para os centros automotivos e empresas especializadas em troca de óleo, que entraram com tudo no mercado”, avalia. Para conter a evasão de consumidores, Vittório conta que os postos apelaram para as promoções. Mas, segundo ele, não funcionou, porque “o serviço era mal feito”.


Já com o mercado aberto, os revendedores perceberam que teriam de resgatar os clientes perdidos. “Daí surgiram as belas e bem montadas lojas de conveniência, as troca de óleo para caminhões e veículos leves e a lavagem, desta feita bem realizada, com outros serviços agregados, como alinhamento, balanceamento etc.”.


Entre os equipamentos dos postos, os tanques merecem um capítulo à parte. Ele, que já foi representante de vendas desse equipamento, observa que a evolução foi grande. Na década de 70, eram simples tubos de ferro com apenas duas saídas ou válvula extratora, revestidos com pintura em betume. Nos anos 90, segundo ele, surgiram os tanques com boca de visita, ou inspeção, que possibilitavam a limpeza. A parte externa era reforçada com epóxi de alcatrão e hulha de fibra de poliéster. A preocupação ambiental surgida no século 21 mudou a construção dos tanques, que passaram a ser jaquetados ou de parede dupla. “Um grande avanço, porque permite identificar vazamentos antes que cheguem ao solo”, diz.