por Cristiane Collich Sampaio


 



Uma rápida pesquisa na Internet mostra que a ascensão do primeiro negro à presidência dos Estados Unidos (EUA) causou uma verdadeira comoção em sites e blogs que tratam das profecias de Nostradamus (1503 – 1566). Mas o interesse mundial no novo dirigente está longe de ser restringir à cor de sua pele e a elucubrações metafísicas, tampouco aos limites territoriais dos EUA.


Com o mundo mergulhado numa crise de proporções maiores que a da queda da Bolsa, em 1929, líderes de todas as nacionalidades e credos, assim como todos os cidadãos, esperam que Barack Obama consiga reverter o curso da catástrofe econômica.


O sucessor do desastrado (e desastroso) George W. Bush é visto pela maioria dos norte-americanos como o herói que reconduzirá o país aos Anos Dourados, de fartura e prosperidade. Com algumas ressalvas, essa confiança também transparece no desejo internacional de superação de uma crise que se manifesta, ainda que com intensidade diferenciada, em todas as partes do globo.


O Brasil não foge à regra. Produção e exportações, câmbio, crédito, taxa de juros, preços dos combustíveis e desemprego são assuntos que estão na ordem do dia de um país que somente há poucos anos viu-se livre dos efeitos severos de outros choques internacionais.


A crise já se faz sentir aqui, no desequilíbrio da balança comercial, no desaquecimento da produção industrial, e também do varejo. As perguntas que pairam no setor de combustíveis dizem respeito a preços, consumo, custo do dinheiro e crédito.


A P.O. procurou ouvir experts nesses e em outros temas, para tentar definir os contornos do conturbado contexto econômico atual. Pelo visto, há indícios de que as piores profecias econômicas não se tornarão realidade. Acompanhe as opiniões a seguir.


 



 “O país passará por esta crise melhor do que passou por outras.”


 


Marcel de Queiroz Pereira é economista chefe da RC Consultores e diretor de pesquisas do Instituto Atlântico.


 


Posto de Observação – Como a mudança ideológica no governo norte-americano poderá ser benéfica para a economia brasileira?


Marcel Pereira – O Brasil se beneficiará no embalo daquilo que será o benefício comum para toda a economia mundial, ou seja, dentro da capacidade do governo de Barack Obama adotar uma conduta responsável, capaz de realinhar os desequilíbrios econômicos da gestão George W. Bush. Neste pacote é possível englobar, ainda, os aspectos econômico, político e ideológico, que abrangem discurso menos bélico, maior propensão ao diálogo e maior engajamento com a sustentabilidade ambiental. E é exatamente nesse ponto que o Brasil pode se posicionar estrategicamente para aproveitar esta suposta nova conduta. Porém, antes de tudo, o Brasil precisa fazer seu dever de casa neste campo. Mas as discussões para utilização de energias renováveis no país ainda estão longe de se transformarem, na escala que é necessário, em ações práticas.


 


P.O. – A intenção de Barack Obama em investir em infra-estrutura poderia vir a ter reflexos positivos no Brasil? Quando?


Marcel – Os EUA ainda são o principal parceiro comercial do Brasil. Logo, naturalmente, todo setor exportador brasileiro se beneficiará com sua recuperação econômica e a tentativa de ampliação da taxa de investimento. Mas nada disto acontecerá no curto prazo; os efeitos só poderão ser mais significativamente sentidos de 2010 para frente. O ano de 2009 será muito duro, e pouca coisa pode ser feita para reverter essa realidade, tanto aqui quanto lá. O que está ao alcance de ser feito já está sendo tentado: aumento dos investimentos públicos, flexibilização da burocracia e redução dos juros. A questão é que agora os tiros precisam ser certeiros, ou as conseqüências podem ser até piores do que as causas a que se busca combater.    


 


P.O. – É possível prever os efeitos da redução gradual da taxa de juros sobre a economia interna?


Marcel – Ela vai ter um efeito pontual de minimização dos efeitos da desaceleração econômica sobre o nível de renda. Mas, em minha opinião, o Copom deveria ter iniciado o processo de corte no começo de dezembro. Entretanto, não haverá corte de juros ou aumento de gastos públicos que impeça o Brasil de sofrer os efeitos da crise.


O país passará por esta crise melhor do que passou por outras, menores, e relativamente mais bem posicionado do que outros mercados emergentes. É uma grande oportunidade para se diferenciar. No entanto, a taxa de desemprego subirá para algo entre 10,5% e 11,0%. Junto ao corte de juros também é prudente aumentar os investimentos públicos. O maior erro que o país pode cometer agora é conduzir seu resultado fiscal para o extremo desequilíbrio. Seria hora de reafirmar o compromisso com a austeridade fiscal e aproveitar as oportunidades que serão oferecidas para redução expressiva dos juros. Creio que a Selic fechará 2009 a 11,0% (nível mais baixo de toda a história econômica do Brasil) e com grandes chances de, na virada de 2010 para 2011, ficar com um dígito, dentro de um padrão mais normal de funcionamento de uma economia saudável.   


 


 



 “Acredito que, se houver crescimento do PIB (...), haverá aumento do consumo.”


 


Alisio Jacques Mendes Vaz é vice-presidente executivo do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom).


 


P.O.  – Diante da queda nos preços do petróleo, podemos esperar redução dos preços internos dos derivados no Brasil?


Alisio Vaz – Acredito que sim, se forem mantidos os patamares de preço no mercado internacional. Nesse cenário, dificilmente a Petrobras poderá continuar praticando os preços atuais (mais elevados), pois isso poderia abrir caminho para importações diretas de empresas do mercado brasileiro. Estima-se que hoje é possível adquirir gasolina e diesel no mercado externo com valores até 30% mais baratos.


 


P.O. – O consumo de combustíveis será afetado pela desaceleração do crescimento econômico, ainda que a Petrobras reduza os preços?


Alisio Vaz – Essa questão tem gerado muitas discussões no Sindicom. Acredito que, se houver crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de 2%, 2,5%, ainda que menor que em 2008, haverá aumento do consumo. A gasolina deverá manter a tendência de ligeira queda, em razão de sua substituição pelo etanol, cuja expansão, em função do expressivo aumento da frota de veículos leves, pode chegar a algo entre 20% e 30%. Quanto ao diesel, seu uso está atrelado ao comportamento da economia e, assim, pode sofrer alguma elevação, acompanhando o crescimento do PIB.


 


P.O. – O que esperar quanto aos preços do álcool no Brasil?


Alisio Vaz – Com a oferta de gasolina mais barata no mercado internacional, pode haver desinteresse pelo etanol, desestimulando as exportações, que poderiam não ter a evolução desejada pelos produtores. Nesse contexto, os preços internos devem se estabilizar nos patamares atuais.


 


P.O. – Saberia dizer se os projetos de expansão e modernização da rede de postos das filiadas ao Sindicom também deverão sofrer cortes?


Alisio Vaz – É difícil dizer. Porém, com o aperto do crédito, creio que todas estão preocupadas em manter seus investimentos, com o adequado equilíbrio de caixa, priorizando, por exemplo, bons pontos comerciais, de maior rentabilidade.


 


P.O. – Acredita que o cenário atual pode provocar o enxugamento da rede no país?


Alisio Vaz – Há anos apontamos para o excesso de postos, o que implica na baixa rentabilidade do segmento. Independentemente da crise, visualizamos o encerramento das atividades de algo em torno de 4% a 5% da rede. Acreditamos que o fechamento de 25% dos postos  (7,5 mil, aproximadamente) poderia garantir margens suficientes para fazer frente aos custos, que se elevaram nos últimos anos, também em função das exigências ambientais, e garantir boa lucratividade. A previsão é que, com o aperto do crédito, esse movimento se intensifique.


Vale lembrar que os principais fatores que sustentaram esse número grande de postos foram as irregularidades do mercado: sonegação, adulteração etc.  Na medida em que estas sejam eliminadas, o enxugamento deverá ser acelerado.


 


 



 “O crescimento da demanda por álcool será menor.”


 


Antonio de Pádua Rodrigues é diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).


 


P.O. – Uma possível queda nas exportações de etanol poderá causar redução nos preços internos?


Antonio de Pádua Rodrigues – Não. A queda nas exportações não tem relação com os preços do petróleo; ela é produto da própria recessão dos EUA, principal mercado importador. Prevemos aumento da produção e exportação de açúcar, maior produção de álcool para o mercado interno – o maior consumidor do produto – e menores exportações. As perspectivas para 2009 apontam para crescimento da frota de veículos, ainda que em ritmo menor que em 2008. Por isso, não haverá retração do consumo de álcool, mas o crescimento da demanda por álcool será menor.


Porém, é necessário que se financie os estoques no longo prazo, cujo custo é alto, para manter o equilíbrio de preços.


O menor preço do petróleo poderá influenciar a decisão imediata de alguns países de optar pelo álcool. Porém, esse preço deve se manter assim por pouco tempo, como foi com recente alta, quando o barril atingiu R$ 140, para depois cair.


 


P.O. – Obama declarou que pretende dar mais atenção à questão ambiental. Diante dessa afirmação, o que o Brasil pode esperar no tocante às exportações de etanol para os EUA?


Pádua – Em março, o presidente Lula deverá ir aos EUA e esse assunto estará em pauta.


Prevemos negociações de médio prazo, com chances de o etanol ser beneficiado com tributação diferenciada, menor, que facilite sua entrada no mercado norte-americano.


 


 



 “Acreditamos em um primeiro trimestre reprimido (...) e num 2010 promissor.”


 


Carlos Alberto Zeppini é diretor do Grupo Zeppini e presidente da Associação Brasileira da Indústria de Equipamentos para Postos de Serviços (Abieps).


 


P.O. – Como fica o custo do dinheiro no Brasil diante da crise internacional e da redução da taxa de juros interna?


Carlos Zeppini – A crise mundial trouxe um novo cenário para todos. No Brasil, em especial, as instituições financeiras estão reprimidas mais pelo fato de aguardarem um mercado mais estável do que pela falta de recursos. Ajustes, como o das taxas de juros, estão reduzindo o custo do dinheiro, mas esperamos por mais ações que possam ajudar o mercado a retomar o ritmo de 2008. 


 


P.O. – Qual a tendência dos preços dos equipamentos e serviços para o setor de postos?


Zeppini – O valor dos equipamentos e serviços continua estável. Como o mercado está desaquecido, essa situação deve permanecer inalterada.  


 


P.O. – Quais as perspectivas da Abieps para 2009-2010?


Zeppini – Acreditamos em um primeiro trimestre reprimido, mas com recuperação ao longo dos demais meses e um 2010 promissor. A frota de veículo cresceu muito nos últimos anos, no Brasil. O revendedor que atualizar seu empreendimento deve conquistar esse consumidor, por isso acreditamos em aquecimento do mercado, também em função da adequação ambiental.


Quanto às exportações, o mercado externo está retraído e não existe perspectiva de mudança desse quadro no curto prazo.