por Cristiane Collich Sampaio, Elaine Paganatto e Márcia Alves
No último dia 4 de março, foi realizado no Hotel Renaissance, em São Paulo (SP), o fórum Direito do Consumidor X Mercado Ilegal de Combustíveis, destinado à discussão dos problemas da adulteração de combustíveis e à busca de soluções para minimizá-los.
O evento foi promovido em parceria pelo sindicato paulista dos revendedores (Sincopetro) e pelo sindicato nacional das distribuidoras (Sindicom), com o apoio da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O fórum reuniu representantes dos principais órgãos envolvidos com o setor, no campo dos três poderes e nas esferas municipal, estadual e federal.
Cerca de 200 pessoas lotaram o auditório, incluindo representantes do Instituto de Pesos e Medidas do estado (Ipem-SP), de outros sindicatos da revenda e de frentistas, de distribuidoras, da associação da indústria de equipamentos (Abieps) e dos produtores de açúcar e álcool (Unica) e de redes de postos. A imprensa nacional também esteve presente. A TV Globo, representada pelo repórter César Tralli, a TV Cultura, emissoras de rádio, como Bandeirantes, CBN, Jovem Pan e Record, e veículos da imprensa escrita compareceram.
Ação articulada e legislação mais severa
Representantes de entidades e órgãos públicos compuseram a mesa de abertura. José Alberto Paiva Gouveia, presidente do Sincopetro, abriu o fórum considerando-o um marco para o setor: as autoridades estão fazendo o possível e o impossível para sanear o mercado, mas os resultados ainda são pouco significativos. Estamos hoje aqui, juntos, discutindo propostas para que voltemos a ter orgulho em ser empresários do setor de combustíveis.
Apesar da experiência acumulada e do esforço, as autoridades não conseguem conter a fraude, disse Alísio Vaz, vice-presidente executivo do Sindicom, apostando na união de todos para estimular o trabalho coordenado dos órgãos de fiscalização, também para eliminar a impunidade, que atrai agentes provenientes de outras atividades ilegais.
Allan Kardec Dualibe, diretor da ANP, declarou que a agência está disponível e não descansará enquanto houver fraude de combustíveis no Brasil, enquanto Roberto Pfeiffer, diretor do Procon-SP, destacou a importância de uma fiscalização que contemple parcerias com diversos órgãos, como ANP, governo do estado, Procon e Ministério Público, e do aprimoramento da legislação federal e estadual. O desembargador Marco Antonio Marques Silva, do Tribunal de Justiça de São Paulo, também enfatizou a atuação coordenada na fiscalização, sublinhando que a adulteração de combustíveis interfere com o meio ambiente, a livre iniciativa, o direito do consumidor e a segurança pública.
Já Sidney Sanches, da Secretaria da Fazenda do estado (Sefaz-SP), comentou as dificuldades na implementação da Lei do Perdimento e sugeriu um convênio com o Sindicom, para que este assuma a responsabilidade pela retirada dos produtos adulterados do mercado e por sua destinação.
Para Luiz Sérgio Fonseca Soares, superintendente da Receita Federal, o crime organizado evoluiu para o chamado crime-negócio. Segundo ele, somente o Estado, junto com órgãos locais e representantes dos setores envolvidos, poderá enfrentar esse tipo de crime.
Ao finalizar a abertura, Orlando Almeida, da Secretaria de Controle Urbano da capital, propôs alterações na legislação da ANP, para que postos lacrados por adulteração não possam ser reabertos por liminares.
Painel 1
Mercado ilegal de combustíveis
O problema da adulteração de combustíveis foi discutido no primeiro painel do fórum por representantes da distribuição e revenda e, ainda, pelo órgão de regulação e fiscalização.
O presidente do Sincopetro, Gouveia, fez sua apresentação baseada em um vídeo com a série de reportagens exibidas pela TV Globo, que apontava os números alarmantes da adulteração na capital paulista. A campanha de análise da qualidade dos combustíveis, iniciada em novembro de 2004 pelo Sincopetro em parceria com a Rádio Bandeirantes, também foi destacada pelo dirigente, como um meio de dar voz à população. Ele lembrou que as informações obtidas pela campanha contribuíram para a aprovação de legislações mais repressivas aos adulteradores, por parte do governo estadual.
Gouveia reconheceu o bom trabalho das autoridades no combate à adulteração, mas advertiu: bandido não vira gente boa. Para o dirigente é um erro permitir a reabertura de postos lacrados por adulteração, porque, de volta ao mercado, o marginal continuará adulterando. Ele defendeu mais agilidade nos processos administrativos e judiciais e uma medida radical: Se for necessário, arranquem bombas e tanques e, definitivamente, acabem com o posto.
Alísio Vaz, do Sindicom, apresentou os números mais recentes sobre o desempenho do setor (96 bilhões de litros movimentados em 2008), classificando-os de sensacionais. Considerando a alta carga de impostos sobre os combustíveis na gasolina corresponde a mais de 50% , ele concluiu que a sonegação é o que motiva a adulteração. De acordo com seus cálculos, os ganhos com as fraudes superam em muito as margens de lucro da distribuição e revenda juntas.
Para vencer a guerra contra a adulteração, o dirigente apontou alguns desafios, como alterar o sistema de penalização, cuja baixa efetividade, a seu ver, transmite aos criminosos a sensação de impunidade, e conscientizar a justiça em relação aos efeitos nefastos da anulação de sentenças. Nesse aspecto, ele informou que o Sindicom tem realizado um trabalho junto ao Judiciário para explicar como funciona o setor e, também tem promovido estudos com a Unica, entidade representante dos produtores de álcool, para encontrar uma forma de concentrar a tributação do etanol nas usinas e, com isso, desestimular a fraude.
Jefferson Paranhos, da ANP, arrancou aplausos da platéia ao convocar o mercado à ação. Não podemos perder tempo, vamos dar as mãos e trabalhar, disse. Entre as ações da agência, ele destacou a maior rapidez dos processos administrativos contra postos adulteradores, que antes consumiam cinco anos para resultar em multa e que agora teve esse tempo reduzido para um ano.
Paranhos ressaltou a necessidade de banir os adulteradores do mercado, sobretudo aqueles cujos estabelecimentos foram autuados ou interditados mais de uma vez, mas reconheceu que a agência não tem poderes para tanto. A ANP apenas cumpre a lei, lamentou. Ele sugeriu a completa revisão nas legislações que regulam o setor, especialmente a Portaria 116, para adequar a fiscalização ao combate dos novos tipos de fraudes. Se dermos as mãos, conseguiremos resolver o problema da adulteração, sem falácias, frisou.
Painel 2
Legislação: mudanças são urgentes
A parte final do fórum foi especialmente destinada à apresentação de iniciativas judiciais do Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE) e de propostas de alterações da legislação, de forma a torná-la mais eficaz. O promotor de Justiça do MPE, Luiz Alberto Segalla Bevilacqua, informou que o órgão tem procurado enquadrar os adulterados em várias ações concomitantes, dentro de uma única, com penas e multas cumulativas, abrangendo as esferas do direito civil e criminal. Hoje, o que eles mais temem é a ação civil indenizatória, informou, já que, para conseguir a restituição dos valores caso tenha sido condenado a indenizar a vítima o envolvido terá de dar entrada em ação de regresso, mas somente após o pagamento.
Bevilacqua relacionou os diferentes instrumentos previstos no código civil e penal aplicáveis à adulteração. Formação de quadrilha, falsificação de documento público e crime ambiental são apenas parte deles. As penas podem chegar a 10 anos de reclusão, no caso de lavagem de dinheiro, e a pagamento de multa de até R$ 150 mil por dia.
Sua apresentação foi seguida pela exposição da assessora jurídica do Sincopetro, Cláudia Carvalheiro. Temos de nos apressar na revisão da legislação e tornar sua aplicação mais ágil, sem receito de investir em teses aparentemente inusitadas, defendeu, citando como exemplos, a equiparação do comércio de combustíveis à prestação de serviços públicos e a criação de varas especiais para julgar questões relacionadas a esse comércio. Ela sugeriu a formação de um grupo de trabalho, constituído por órgãos e entidades relacionados ao setor, com prazos determinados para apresentar propostas de mudanças em leis de todos os âmbitos da administração pública e em disposições internas da própria ANP, com o intuito de tornar a legislação e as ações dela decorrentes mais severas e eficazes no combate a este tipo de crime.
Os resultados preliminares do trabalho conjunto desenvolvido pelos departamentos jurídicos do Sincopetro e do Sindicom que poderia ser visto como o embrião desse grupo de trabalho mais amplo foram o cerne da exposição de Guido Silveira, assessor do Sindicom. Ele lamentou o fato de, há anos, o Código Brasileiro dos Combustíveis continuar parado no congresso, mas citou diversos dispositivos legais existentes que poderiam ser aperfeiçoados, para garantir o reequilíbrio do setor.
As sugestões, principalmente a proposta da criação do grupo de trabalho, foram elogiadas pelo superintendente de Fiscalização da ANP, Jefferson Paranhos, que fez os comentários finais.
Sobre a questão do perdimento, ele avaliou que seria muito bem-vinda a ajuda das distribuidoras para a rápida retirada e o reprocessamento dos produtos adulterados do mercado. Seria uma garantia de que o produto não voltaria ser comercializado, afirmou, concluindo que o mercado é um parceiro importante para a evolução e regularidade do setor.
DEPOIMENTOS
A iniciativa é muito boa, mas também é preciso deixar claro que não é porque um posto é bandeira branca que o combustível é ruim. Além dos da Rede Vida há postos, de outras redes e também isolados, independentes, que vendem produto bom.
Hélio Takauti Rede Vida
Acho válida a realização deste fórum, pois todo problema tem solução e esse me parece um caminho. Para mim, se for detectada adulteração, o estabelecimento tem de ser fechado.
Aparecido Osmar Garcia Rede Hiramaya
O evento está sendo ótimo e acredito que deva contribuir para a regularização do mercado. É preciso aperfeiçoar a legislação, para que tenha maior rigidez e para que os resultados sejam mais rápidos e duradouros. Aqui, criou-se o embrião da mudança, com a presença de órgãos e entidades envolvidos e concentrados num mesmo foco.
Luiz Carlos Rivera Rede Duque
Esperamos que o grupo de trabalho proposto seja ágil e sugira mudanças nas legislações federais, estaduais e municipais do setor. Achei ótima a abordagem do fórum, pois mostrou os problemas e que há consenso na necessidade de revisão da legislação.
Álvaro Faria presidente do SindTRR
O fórum foi muito importante para se discutir o problema, cuja solução depende da união do setor, incluindo os órgãos governamentais. Mas, vejo dificuldades, a começar pelas distribuidoras, que não têm preocupação em selecionar os bons revendedores. Com isso, os honestos se vêem acuados pela concorrência dos adulteradores. Portanto, a união é o primeiro passo no combate à adulteração e também o maior desafio do setor.
José Antônio Gonzalez Garcia (Toninho), presidente do Regran
A adulteração sempre foi um problema. A prefeitura fecha o posto, mas os adulteradores conseguem liminares e os reabrem. Sofro com a concorrência dos adulteradores. Espero que as autoridades tomem providencias para acabar com as liminares e que fechem definitivamente os postos. Todo mundo sabe quem são os adulteradores, até os clientes.
Marcelo Siqueira Auto Posto Goldstar
Os revendedores honestos têm dificuldade em competir no mercado. Gostei muito da apresentação do Zeca, mostrando todo o trabalho que foi feito, inclusive com o vídeo da rede Globo que serve à ANP como indicação do que precisa ser feito. A apresentação do Paranhos também foi estupenda e deu a entender que a ANP quer fazer mais, mas a legislação não permite. Como ele disse, precisamos de menos falácia e mais ação.
Marco Aurélio Ahuaji Rede Jetset
Na minha região a adulteração diminuiu bastante, graças ao combate feito pela operação De Olho na Bomba. Acredito neste fórum. Se com isso não resolvermos o problema da adulteração, então não temos mais o que fazer. Essa é nossa luta: a moralização, porque não dá mais para o revendedor honesto competir com o bandido.
Domingos Augusto Manfrim Subsede do Sincopetro de S. José do Rio Preto
Sofremos bastante com o problema da adulteração, principalmente do álcool. Esperamos que as autoridades desse fórum possam agir e tirar do mercado quem sonega imposto, quem adultera e quem desequilibra a concorrência.
Antonio Gustavo Gaspar Subsede do Sincopetro de Marília