por Cristiane Collich Sampaio


 


 


A criação da nota fiscal eletrônica (NF-e) e de controles mais rígidos sobre a origem e o destino de cada litro de álcool produzido e vendido no Brasil deverá ter forte impacto sobre as transações clandestinas com o produto, no médio prazo. Ao menos são essas as previsões de representantes dos setores de produção e comercialização.


“Não temos os números mês a mês, mas, pelos dados de 2008, cerca de 30% de todo o álcool hidratado comercializado no país não pagou integralmente os tributos devidos”, relata Alísio Mendes Vaz, vice-presidente executivo do sindicato nacional das distribuidoras (Sindicom). A entidade estima que a perda tributária naquele ano tenha sido de aproximadamente R$ 1 bilhão, divididos em R$ 400 milhões, entre PIS e Cofins, e R$ 600 milhões, em ICMS. São mais de 4 bilhões de litros negociados sem o recolhimento de algum tipo de imposto ou contribuição.


 


Malandragem e atuação coordenada


 


O vice-presidente do Sindicom explica que é fácil para as distribuidoras sonegarem: “grupos abrem uma empresa em nome de laranjas e esta acumulará impostos não pagos, até ser substituída por outra. Há até grupos empresariais que sobrevivem com a renda de impostos não pagos.” Ele adverte que empresários inidôneos têm empresas como essas a disposição, pois, das mais de 200 distribuidoras registradas na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), somente 150 atuam, de fato. No jargão do mercado, esse tipo de empresa é conhecido como “barriga de aluguel” ou empresa de fachada: a usina fatura para a distribuidora, mas o álcool vai direto para o posto.


Além desse esquema, há também as vendas de etanol diretamente das usinas aos postos sem nota fiscal, ou, ainda, a realização de mais de uma entrega com uma única nota, conforme declara o diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Antônio de Pádua Rodrigues. Segundo ele, as fraudes se espalham por todos os elos da cadeia, apesar de grande parte do volume desaparecer na etapa de distribuição. Hoje, além dos prejuízos aos cofres públicos, “produtores, distribuidores e revendedores sérios estão sendo penalizados com esse comércio clandestino”, constata.


O impacto da concorrência desleal sobre as vendas de álcool das associadas do Sindicom, por exemplo, salta aos olhos nas estatísticas da entidade: essas distribuidoras detêm entre 75% e 80% do mercado de diesel e gasolina, mas apenas 50% do de etanol.


Alísio Vaz ainda menciona os danos à imagem dos postos, aspecto também abordado pelo presidente do sindicato da revenda do estado de São Paulo (Sincopetro), José Alberto Paiva Gouveia. Gouveia lamenta que, além dos prejuízos provocados no caixa, “os postos que respeitam as boas práticas comerciais são taxados de gananciosos, são acusados injustamente por praticarem preços supostamente abusivos, quando, na verdade, vendem o álcool a preços justos, com todos os impostos devidamente recolhidos nas respectivas etapas de comercialização, ou seja, na produção e na distribuição”.


Como solução, o representante do Sindicom sugere a concentração da arrecadação nos produtores, “até porque estes possuem ativos suficientes para lastrear os impostos devidos por toda a cadeia”. Mas, salienta, que “a negociação é fundamental, pois isso tem de ter a concordância dos produtores”. As três categorias econômicas já atuam de forma coordenada, mas há muito ainda a ser discutido para acabar com a competição predatória existente dentro de cada elo e prover o crescimento sustentado de toda a cadeia.


 


Setores esperançosos


 


Ainda que ninguém acredite em fórmulas milagrosas, parece haver esperanças de reviravoltas no médio prazo, como resultado do aperfeiçoamento de procedimentos adotados pela administração pública há algum tempo, como o Sistema de Informações de Movimentação de Produtos (Simp) da ANP e a NF-e.


Pádua Rodrigues, da Única, salienta que hoje cada nota fiscal de venda deve ser informada à agência e também ao Ministério da Agricultura. “Em julho foram comercializados 1,3 bilhões de litros de álcool e a ANP, por meio do Simp, sabe quem vendeu e quem comprou esse produto”, explica, acrescentando que a agência dispõe dos instrumentos necessários para rastrear o produto, da usina ao posto.


Porém, é preciso lembrar que as atribuições da agência são limitadas a aspectos técnicos, cabendo aos órgãos fazendários e aos ministérios públicos a fiscalização tributária. Mas mediante convênios com a ANP, o sistema pode ser muito útil a esses órgãos na caça aos sonegadores.


Em paralelo, com o objetivo de auxiliar o trabalho dos auditores fiscais, o Sindicom, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), está desenvolvendo instrumentos que permitam cruzar as informações fiscais do banco de dados da NF-e. Segundo Alísio Vaz, do Sindicom, nessas notas consta para quem cada usina ou destilaria vendeu o etanol e, com as novas ferramentas, os auditores terão condições de conferir o destino da mercadoria e o pagamento dos impostos. Para ele, também é essencial agilidade na fiscalização e a aplicação de punições exemplares, que sejam capazes de desestimular esses esquemas de sonegação.


 


Lei da oferta e da procura


Apesar da elevação, os preços deverão continuar competitivos.


 


O aumento dos preços do açúcar no mercado internacional e a falta de estoques reguladores de álcool estão sendo considerados como os principais fatores da tendência altista nos preços deste último, verificada entre julho e agosto.


Conforme explica o gestor de riscos da Archer Consulting, Arnaldo Corrêa, a falta de açúcar na Índia pressionou a demanda internacional, elevando os preços. Ao avaliar o cenário do álcool, o diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), Antônio de Pádua Rodrigues, comenta que este ano a situação é um pouco diferente da dos dois anos anteriores, quando a cotação do açúcar no mercado externo ficou muito baixa e os produtores preferiram aumentar a produção de álcool para o mercado interno.


“Agora, a volatilidade dos preços do álcool está um pouco maior. Todavia, o produto continuará competitivo, com preço correspondente a até 70% ou 75% do valor da gasolina, mas não mais de entre 50% e 52%”, como ocorreu nos anos anteriores e no começo desta safra. “Se o preço aumentar muito, o etanol perde competitividade e, em função da existência dos veículos flex, a demanda pelo produto também cai (pois é desviada para a gasolina) e, como consequência, os preços acompanharão essa queda”, complementa.


Mas, para ele, dificilmente ocorrerá a migração do consumidor para a gasolina, de forma agressiva, especialmente em estados exportadores (para outros estados), como São Paulo, Goiás e Paraná. “A migração poderá ocorrer nos estados importadores, nos que possuem carga tributária maior sobre o álcool e nos quais a logística é mais cara”, constata.


Segundo estimativas da Archer, os preços devem se recuperar em pelo menos 15%, pois o hidratado e o anidro passaram muito tempo sendo comercializados com preços abaixo dos custos de produção, o que não se sustenta.


Ambos os entrevistados concordam que se houvesse uma política de estoques reguladores os preços estariam mais estáveis. O diretor da Unica revela que não existem esses estoques, como também não existiram no passado, e calcula que “se a safra tivesse sido financiada pelo Governo, provavelmente, haveria maior estabilidade de preços”. Corroborando essa declaração, Corrêa acrescenta que ”no inicio do ano muitas usinas venderam álcool a qualquer preço para poder fazer caixa” e que “se houvesse uma política de estoques reguladores o problema (da oscilação de preços) teria sido evitado”.