por Cristiane Collich Sampaio, Denise de Almeida e Márcia Alves


  


 


Basta pesquisar rapidamente os relatórios sobre autuações de postos no site da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para ter uma idéia da amplitude do problema com a qualidade dos combustíveis no país e do foco central das irregularidades. Pelas informações divulgadas em fevereiro, de 2005 até os primeiros meses de 2010, quase 3,2 mil postos foram autuados pela ANP no país e parte dos quais foi interditada uma ou mais vezes. (Infelizmente não foi possível verificar quantos no universo nacional tiveram seu registro cassado e foram definitivamente fechados nesse período.) Do total, 2,58 mil estão no Sudeste, região em que o estado de São Paulo ocupa a triste liderança, ao abrigar 1,881 mil desses postos.


É natural que o estado mostre números maiores, dado ser o maior consumidor de combustíveis do país e, por conta disso, atrair agentes fraudulentos. Mas também é verdade que de 2005 para cá a agência passou a contar com a colaboração de outros órgãos na fiscalização do setor, assim como com leis estaduais mais severas. Até o dia 3 de março deste ano, a Secretaria da Fazenda (Sefaz-SP) já havia cassado a inscrição estadual de 753 postos – 130 só em 2009 – e repassado as informações à ANP.


 


Casos gritantes


 


No Brasil, no entanto, o maior problema é que, a despeito de todos os esforços da fiscalização e dos convênios formalizados com secretarias estaduais da Fazenda e outros órgãos, a legislação que rege as atividades da ANP só permite a interdição definitiva do estabelecimento que adultera após a conclusão do processo administrativo, não importando o número de vezes que este tenha sido autuado por comercializar combustível fora das especificações, seja esse um ato deliberado de adulteração ou não.


Conforme explica o superintendente-adjunto de Fiscalização da ANP, Oiama Paganini Guerra, uma vez constatada a adulteração, a agência pode interditar o estabelecimento, mas essa é uma medida de caráter cautelar. “Em caso de venda de combustível adulterado, o agente econômico permanecerá interditado pelo mesmo período que o produto contaminado estiver armazenado em seus tanques. Quanto mais rápida for a retirada do produto para reprocessamento, mais ágil será a desinterdição”, afirma.


Oiama Guerra diz que, atualmente, o andamento dos processos administrativos é mais rápido. A estimativa é de 180 dias do inicio do julgamento em primeira instância até o final. Vale esclarecer que nesse período o estabelecimento poderá operar normalmente.


Porém, apesar de afirmar que diante de reincidência, “os agentes terão suas autorizações revogadas”, conforme prevê o Decreto 2 953/99, não é isso que se constata nos dados divulgados no site da própria agência. Há uma infinidade de postos autuados e interditados inúmeras vezes entre 2005 e 2009, que voltaram a funcionar. Entre eles, há casos gritantes, como o do Floresta Auto Posto, na capital paulista, que foi autuado 14 vezes e sofreu seis interdições até 2007. Mas há outros mais recentes: entre 2007 e 2009, o Auto Posto Tina, de Mogi das Cruzes (SP), teve oito autuações e quatro interdições; o Auto Posto Progresso Nova Dutra, situado na rodovia, em Santa Isabel (SP), foi autuado sete vezes e interditado quatro entre 2006 e setembro de 2009; no Rio de Janeiro (RJ), até setembro passado, o Posto de Gasolina Rei da Vila da Penha acumulava oito autuações e três interdições. E esses são só alguns.


 


Uma luz


 


O superintendente da ANP argumenta que, em sua maioria, casos como esses ocorreram antes da descentralização do julgamento dos processos, quando havia acúmulo, e pondera que isso “não significa que não serão julgados e, se reincidentes, contemplados pela mesma legislação”.


Ele ainda ressalta que os fornecedores e transportadores de combustíveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade e quantidade, de acordo com a Lei 9 847/99.


Em paralelo, esses adulteradores também poderão enfrentar processo criminal, já que, a agência é obrigada por lei a encaminhar os processos administrativos ao Ministério Público. Adulteração é crime previsto no direito econômico e no Código de Defesa do Consumidor, além de ainda poder ser enquadrado como delito fiscal e, dependendo do caso, como crime de formação de quadrilha. Foi sob essa alegação que um bando de adulteradores foi condenado em fevereiro, no interior paulista. (Veja mais nesta seção.)


E, apesar de não entrar em detalhes, Oiama Guerra parece confiante quanto aos resultados do aperfeiçoamento da legislação que regula a atuação da ANP: “já tramita na Câmara dos Deputados proposta oriunda da ANP para alteração da nossa lei de penalidades, a 9 847/99, que dará ainda mais celeridade aos procedimentos administrativos.”


No grupo formado após a realização do fórum contra a adulteração, ocorrido em São Paulo (SP), em março de 2009, para sugerir mudanças nas leis que regem o setor, para coibir esse tipo de crime, o sindicato paulista da revenda (Sincopetro), ainda no ano passado, entregou elenco de propostas ao sindicato nacional das distribuidoras (Sindicom). Uma delas prevê a interdição de postos e distribuidoras, quando da segunda autuação por adulteração, os quais deverão permanecer fechados até o final do processo administrativo. Para o presidente do Sincopetro, José Alberto Paiva Gouveia, “somente com medidas como essa, que afetam o bolso dos criminosos, o mercado poderá voltar à normalidade”. Isso porque, segundo ele, não raro, esses agentes voltam a cometer repetidamente o mesmo crime, pois sabem que continuarão a obter lucro fácil, até que o processo chegue ao final. E antes disso, o estabelecimento pode ter mudado de dono, indo parar nas mãos de um ‘laranja’. “O lamentável é que, após ter recebido nossas propostas, o Sindicom silenciou”, revela. Procurada pela reportagem, a entidade não se manifestou até o fechamento desta edição. (CCS)