por Cristiane Collich Sampaio e Denise de Almeida


 


“É muito triste assistir ao fechamento de tantos postos nos últimos anos, porque o posto, num país como o nosso, é fundamental. Há muitas áreas rurais e os postos de estrada são grandes pontos de referência para os caminhoneiros. Em muitas localidades, eles acabam sendo de utilidade pública, inclusive para a população local”, comenta José Emidio Natan Neto, presidente do Sindicato União Brasileira dos Caminhoneiros.


Para ele, as estimativas que apontam para o fechamento de 10% dos postos de rodovia brasileiros nos últimos 10 anos são otimistas. “Acho que esse número é maior, pois na estrada Belo Horizonte-Goiânia, por exemplo, assistimos ao fechamento de 25 postos no período de apenas um ano”. E, infelizmente, parece que está certo. Pelo levantamento efetuado recentemente pelo sindicato dos postos do estado de São Paulo (Sincopetro), dos cerca de 900 estabelecimentos rodoviários existentes no estado, 136 estão fechados somente em sua área de abrangência (que não inclui a Baixada Santista, a Região do Grande ABC e de Campinas). Em uns poucos, somente o restaurante permanece em funcionamento.


Esses postos sempre primaram pelo atendimento ao viajante, principalmente ao caminhoneiro. Troca de vale-frete, borracharia, mecânica e autoelétrico, estacionamento para os caminhões, telefone, banheiro, restaurante, lanchonete, mercado e, pelo menos, banho quente, uma flanela ou um boné e cafezinho de graça faziam parte dos serviços e produtos disponíveis; em alguns, até sala de TV e de jogos e atendimento médico básico eram encontrados.


 


Começa a devastação


 


Hoje, raros são os que, a duras penas, continuam oferecendo esse leque de facilidades. Mas muita coisa mudou desde a liberação dos preços do diesel, que já vai longe. Antes mesmo, com preços finais achatados e margens aviltantes, muitos empresários começaram a ter dificuldades para se manter no mercado. Isso sem contar que no final da década de 80, com a descentralização tributária, em alguns estados o consumo de diesel havia tido queda vertiginosa. As diferentes alíquotas de ICMS, variáveis entre 12% e 18%, contribuíram para que as vendas despencassem nos que praticavam os percentuais mais altos, penalizando os postos, especialmente os mais próximos das fronteiras. Em alguns estados, que se recusaram a baixar a alíquota, essa situação se mantém, conforme relata Valdecir Berticelli Pavoni, proprietário do Posto Caravágio. “Posso dizer que, no estado de Mato Grosso do Sul o fechamento de postos de rodovia se dá, principalmente, pelo fato do ICMS ser de 17%, um dos mais altos do país. Com isso, o caminhoneiro que passa pelas nossas rodovias só abastece com o volume necessário para cruzar os estado. Além disso, como muitas vezes os caminhões são adaptados com tanque extra, que eleva a autonomia, estes atravessam o estado sem abastecer.”


Quando o mercado foi definitivamente liberado, a guerra de preços e o poderio econômico forçaram, já nos primeiros anos, a quebra de alguns estabelecimentos. Assim como na revenda urbana, também na estrada o setor foi convulsionado pela concorrência predatória. Sonegação fiscal, adulteração de produtos e equipamentos permitiam grande redução nos preços finais, prejudicando empresas honestas.


Ao lado desses, outros fatores acirraram a competição. Distribuidoras e redes de fast food, especializadas em atendimento ao viajante, como Frango Assado, Graal e Borsatto, entre outras, que operam predominantemente no estado de São Paulo, ampliaram o número de estabelecimentos e os serviços oferecidos, constituindo verdadeiros complexos de conveniência, destinados tanto a caminhoneiros – autônomos e de empresas frotistas – quanto aos turistas e motoristas de veículos leves.


Mas, até dezembro de 2003, o grande vilão ainda não havia mostrado as garras. Foi a partir de então, com a suspensão, pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de uma portaria que regulamentava os então chamados postos de abastecimento – hoje pontos de abastecimento ou simplesmente PAs – que a devastação nos postos de rodovia se intensificou; o comércio irregular de diesel fugiu totalmente ao controle, prejudicando de forma muito severa os empresários idôneos e os trabalhadores do setor.


Medidas preventivas, legislações consistentes e fiscalização adequada poderiam ter evitado muitos dissabores a essa expressiva parcela da revenda. Agora, resta corrigir os erros e tentar reparar os estragos.


 


 


Onde estão vocês?


O site ANP informa que há no Brasil 5 190 PAs autorizados a operar e, portanto, regulares perante a agência e os órgãos ambientais. Mas segmentos do mercado estimam que existam, só no estado de São Paulo, 32 mil estabelecimentos em funcionamento.


 


No período de quatro anos, compreendido entre a suspensão dos efeitos da Portaria nº 14/96 do Departamento Nacional de Combustíveis (DNC), no final de 2003, e a instituição – pela Resolução ANP nº 12/2007, que passou a vigorar em janeiro de 2008 – de novas regras para a abertura e operação de PAs, esses agentes trabalharam livres de quaisquer normas e, como consequência, de fiscalização.


Não é preciso muito esforço para descobrir o que aconteceu. O número de PAs irregulares se multiplicou assombrosamente, passando a dividir com os revendedores de estrada as vendas de diesel. Só que essa competição é desigual, pois esses agentes são considerados, do ponto de vista fiscal, como consumidores finais, e adquirem o produto por preço inferior aos dos postos, já que a carga tributária é menor. Isso porque, em tese, são instalações destinadas ao suprimento de diesel, querosene, lubrificantes e graxas para frotas próprias. Mas, na prática, esses estabelecimentos não se restringem ao abastecimento de frotas cativas; vendem diesel – o que é ilegal – a qualquer interessado em adquirir o produto, praticando preços em muito inferiores aos dos postos, por conta do benefício fiscal e, também, pelo baixo custo de operação, já que quase não empregam mão-de-obra.


 


Não ouço, não vejo, não falo


 


Para se ter uma idéia das dimensões do problema, basta comparar o número de PAs autorizados a funcionar, disponível no site da ANP, com o número estimado por agentes que abastecem esse tipo de instalação. Entre 1º de janeiro de 2008, data em que a Resolução ANP nº 12/2007 começou a vigorar, e o dia 14 de maio passado, 5 190 PAs estavam registrados na ANP, o que pressupõe, também, sua regularidade perante os órgãos ambientais. No entanto, no mercado a informação é que esse número chega a 32 mil só no estado de São Paulo, sendo, por isso, possível supor que no Brasil a marca dos 100 mil já tenha sido, de longe, superada. E, além de prejudicar os postos e o mercado de trabalho, o que falar do meio ambiente, já que esses estabelecimentos não cumprem sequer as mais básicas normas de preservação do solo e das águas (superficiais e subterrâneas) e de segurança, colocando em risco as comunidades do entorno?


Em diversas edições a revista Posto de Observação procurou chamar a atenção das autoridades quanto ao problema, revelando, inclusive, que, em 2008, estimativas da federação nacional dos frentistas (Fenepospetro) apontavam para a possibilidade de encerramento de algo entre 35% e 45% dos postos de trabalho na estrada em cinco anos, caso nada fosse feito para reverter aquela tendência.


Mas, onde estão esses PAs? Afora as denúncias, ilustradas por fotos, feitas pelo Sincopetro à Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), em agosto de 2008, o fato é que os órgãos ambientais têm dificuldades em descobrir a localização desses estabelecimentos, uma vez que geralmente estão em áreas particulares, cercadas, como propriedades agrícolas, empresas de transporte e outras.


Porém, esses estabelecimentos compram o produto de alguém, ou seja, de agentes regularmente registrados da ANP. Essas empresas, por força da legislação, devem manter por pelo menos cinco anos o Livro de Movimentação de Produtos (LMP), com todos os registros de movimentação de combustíveis escriturados e atualizados, bem como as notas fiscais de aquisição e de venda dos produtos comercializados a disposição da fiscalização, além de enviar à agência, mensalmente, arquivo eletrônico com os dados de comercialização. Ao menos, em tese, não seria difícil obter, por meio desses documentos, as informações e a localização desses PAs. Entretanto...


 


São Paulo na luta


 


Em 2009 havia sido formado um grupo de trabalho no interior da Câmara Ambiental do Comércio de Combustíveis da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), para definir proposta consensual com novo prazo e critérios para o cadastramento dos PAs. Na ocasião, foi solicitado especial empenho de distribuidoras e TRRS, que fornecem produtos a esses estabelecimentos, na divulgação da necessidade destes se cadastraram na Cetesb, assim que o programa destinado a esse fim fosse concluído. Infelizmente, nada ou quase nada se avançou nesse campo desde então.


Conforme salienta o presidente do sindicato da revenda paulista, José Alberto Paiva Gouveia, “há segmentos no setor que estão se beneficiando do fechamento dos postos de estrada e da existência de grande número de PAs clandestinos, que ocupam o lugar dos postos na venda de diesel”.


No momento, o Sincopetro assumiu a responsabilidade de auxiliar no desenvolvimento do programa de cadastramento dos PAs paulistas da câmara ambiental e está trabalhando com outros integrantes do grupo para apresentar proposta no menor prazo possível. Em paralelo, a pedido do MP-SP, a entidade está atualizando as informações de que dispõe sobre a denúncia apresentada anteriormente. “A sobrevivência dos postos de rodovia depende do fim dos PAs clandestinos e irregulares”, diz Gouveia, acrescentando que também é importante isonomia de tratamento ambiental: “se lidamos com produtos potencialmente poluidores, todos temos de seguir as mesmas regras no tocante às instalações, ao manuseio dos produtos e à segurança.”