por Cristiane Collich Sampaio,


Denise de Almeida e Márcia Alves


 




Os primeiros meses de experiência com o novo diesel, que tem 5% de biodiesel em sua composição, foram penosos para os revendedores brasileiros. Embora não tenham como saber se o produto que recebem das distribuidoras está dentro das especificações ditadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), especialmente quanto ao teor de biodiesel, foram os postos os que mais sofreram diante da fiscalização. Apesar de o índice nacional de não conformidade do diesel, causada principalmente por teor de B100 inferior a 5% na mistura, ter atingido patamares elevados no primeiro trimestre de 2010, como o de 9,0% no estado do Rio de Janeiro, entre março e abril, de acordo com dados o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis da ANP, divulgados em 17 de maio, esse percentual caiu de 5,2% para 3,5%.


Afora esse fato, outros elementos também começam a chamar a atenção do setor. O produto, armazenado nos tanques dos postos, não é tão estável quanto o diesel, e produz borra com facilidade, um motivo a mais para que os estabelecimentos possam ser autuados. Enquanto essas questões são equacionadas, a revenda espera contar com a tolerância dos órgãos de fiscalização.


 


Mais suscetível


 


Ao referir-se às características da mistura diesel/biodiesel, Fábio Marcondes, diretor de abastecimento e regulamentação do sindicato nacional das distribuidoras (Sindicom), comentou que “o biodiesel é um produto novo, que, por ser higroscópico, absorve umidade, e que, assim, está sujeito à criação de micro-organismos, fungos e bactérias e à formação de borra. O próprio diesel já tem essa característica de absorção de umidade, que se torna maior com a mistura de biodiesel”. Desde 2008 a entidade participa de um grupo de trabalho sobre a qualidade do produto, que envolve a Petrobras e outros órgãos.


Sérgio Cordeiro, presidente da Metalsinter, empresa fabricante de filtros, corrobora e complementa esses dados. Segundo ele, impurezas do diesel, em especial a glicerina, podem gerar água, causando a decantação da mistura. “Isso, aliado ao fato do combustível já ter facilidade em absorver a água presente no meio ambiente, acelera seu processo de deterioração.” Cordeiro acrescenta que parte dos micro-organismos presentes no ambiente, quando em contato com o diesel, usa o combustível como alimento e se reproduz, gerando um subproduto extremamente agressivo (ácido) e mal cheiroso, a "borra do diesel", que nada mais é que o produto de sua oxidação. “Temos observado que no novo combustível – o B5 – esses fenômenos se maximizam, pois o biodiesel absorve mais água e, consequentemente, mais micro-organismos”.


Ele ainda ressalta que o comportamento desse biocombustível também pode variar de acordo com a matéria-prima e com o tempo e as condições de armazenagem. “Por exemplo, como o ponto de congelamento do produto de origem animal é baixo, se a temperatura cair muito o produto chega a se solidificar na linha”.


 


Para especialistas...


 


É com base na literatura especializada e nos resultados de seus experimentos em laboratório que o químico industrial e diretor do Curso de Engenharia Química da Universidade de Uberaba (Uniube), professor Mauro Luiz Begnini, expõe sua opinião.


Ele concorda que o biodiesel é suscetível à proliferação de bactérias e que algumas delas tem potencial para influir na sua degradação ou decomposição. Ele explica que esses micro-organismos podem aumentar a acidez do biodiesel e causar danos em juntas de motores.


Mauro Begnini também revela que “em trabalhos desenvolvidos no laboratório na produção de biodiesel a partir do sebo bovino por transesterificação metílica ou etílica, foi observada e relatada a formação de placas ou de um precipitado leitoso no biodiesel, que, com o passar do tempo, se deposita no fundo dos recipientes”.


Ele pondera que o biodiesel deve ser avaliado por mais tempo com relação a sua degradação. “Acredito que uma amostra deva ter um estudo de estabilidade durante dois anos ou mais. Percebo, também, que é necessário fazer um estudo da possibilidade, de quando misturado ao diesel, apresentar algum tipo de alteração que possa levar a modificações nas propriedades e especificações do biodiesel, comparado ao produto puro.”


Para o professor, é possível que “durante as análises o produto esteja dentro das especificações e todas as propriedades químicas, físicas e bacterianas avaliadas estejam de acordo. No entanto, após certo tempo, algum tipo de decomposição ou degradação pode levar a alterações nessas propriedades.”


Mas o biodiesel, e a mistura B5 em menor grau, também são vulneráveis a outros elementos. Um estudo desenvolvido pela Petrobras Distribuidora, com base no documento denominado 2004 Biodiesel – Handling and Use Guidelines, do Departamento de Energia dos EUA, trata da compatibilidade do B100 com materiais usados nos equipamentos de postos e veículos. O documento recomenda a consulta aos fabricantes dos equipamentos sobre a compatibilidade dos componentes, e que estes sejam informados sobre o tipo de óleo utilizado como matéria-prima, e ainda sugere a implantação de programa de monitoramento, o qual deve ser mantido mesmo após um ano de experiência com o produto.


Segundo esse estudo, alumínio, aço, polietileno e polipropileno flouratinado, teflon e a maioria das fibras de vidro são materiais aceitos para tanques de armazenamento. Porém, outros, como, latão, bronze, cobre, chumbo e zinco estão proscritos, já que “aceleram o processo de oxidação do B100 e potencializam a criação de sedimentos, gel e sais, quando reagem com componentes do biocombustível”.


 


E nos veículos...


 


Outros dados apresentados nesse trabalho – de que o B100 degrada bicos injetores e outras peças e materiais do motor expostos a ele por períodos longos – foram constatados no Brasil recentemente.


Em maio foram divulgados os resultados da pesquisa sobre a adição do biodiesel e a qualidade do diesel no Brasil, promovida pela Confederação Nacional do Transporte (CNT). Foram coletadas informações de 262 empresas de transporte rodoviário e urbano de cargas e de passageiros entre agosto e novembro de 2009, quando ainda vigorava o uso obrigatório do B2 e a comercialização do B5 era facultativa.


Entre as empresas pesquisadas, 21% relataram problemas nos veículos, como o aumento do número de trocas de filtro de combustível e dos resíduos depositados em bombas, bicos injetores e válvulas; formação de borra no tanque; perda de potência do motor; aumento da emissão de poluentes e de acúmulo de resíduos na câmara de combustão; ferrugem nos tanques de ferro e partículas no escapamento.


A pesquisa apresenta avaliação geral positiva, mas com ressalvas. Os resultados indicam que aparentemente a mistura não afeta os motores, mas conclui que as alterações físicas de cor, a aparência turva, o aumento da borra no tanque e a presença de impurezas apontadas por 56% das empresas “são indicadores primários de interferência do biodiesel no desempenho e nos custos de manutenção das empresas de transporte”.


E embora o relatório não ignore que a formação de borra nos tanques é comum em veículos antigos, alerta sobre a possibilidade de descolamento desse material, por conta da maior lubricidade do B5, o que pode causar sérios danos ao motor. A recomendação dos técnicos é que seja feita a limpeza dos tanques para evitar prejuízos futuros.


Um dado que merece ser citado: 56% das empresas consultadas possui ponto de abastecimento (PA), com destaque para as de transporte público urbano de passageiros, em que esse percentual sobe para 96%.


 


Amostra-testemunha


 


Existem dois aspectos relevantes a observar quanto à qualidade do B5. Um deles, como exposto anteriormente, refere-se à qualidade da mistura propriamente dita. Na mesma nota divulgada em maio, a ANP salientava que devem ser dispensados maiores cuidados ao óleo diesel contendo biodiesel nas etapas de armazenagem, distribuição, manuseio e revenda do combustível.


Outro aspecto importante diz respeito ao percentual correto de B100, algo que foge totalmente ao controle de quem revende o produto. Não há testes disponíveis que comprovem que as especificações do produto recebido da distribuidora estão corretas, também quanto à mistura, e a inspeção visual, nesse caso, é inútil. Mesmo assim, conforme declara o presidente do sindicato paulista da revenda (Sincopetro), há postos sendo autuados, tendo bombas lacradas pelo fato de estarem comercializando diesel com menor teor de biodiesel. E cita um posto de companhia, com histórico comercial exemplar, que teve bombas interditadas por vender diesel com 3,8% de biodiesel. “Não há como o revendedor manipular o B5”, desabafa, argumentando que a produção e a venda do biodiesel são altamente controladas. “Nossa única defesa, perante a fiscalização da ANP, é com a amostra-testemunha, que comprova que produto foi entregue pela distribuidora”, anuncia.


Porém, em estados como São Paulo, em que há legislação própria e fiscalização de órgãos ligados à Fazenda, a amostra-testemunha nada prova. Apesar de a Sefaz-SP manter convênio de fiscalização com a ANP, a secretaria informa que a lei estadual não prevê a utilização de amostra coletada pelo contribuinte (amostra-testemunha) e que a coleta de material pelos agentes da Sefaz-SP é feita no momento da fiscalização, nos tanques dos postos. O órgão comunica, ainda, que a coleta de diesel para análise do teor de biodiesel é relativamente recente e que, por isso, não há estatísticas sobre os tipos de adulteração que possam estar ocorrendo com maior frequência. Porém, já adianta que “caso se constate teor de biodiesel abaixo do estabelecido por lei, o objetivo da fraude seria o de justamente poder praticar um preço final menor, promovendo concorrência desleal”.


“Isso quer dizer que, se a secretaria constatar percentual menor de biodiesel num posto, este, mesmo inocente, pode até mesmo perder sua inscrição estadual e ter confiscado todo o produto que estiver no tanque. É justo?”, indaga o presidente do Sincopetro.


Conforme informações da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio), o biodiesel que compõe o B5 é submetido a estrito controle. Cada tonel recebe certificação da Petrobras, a qual tem de ser apresentada à distribuidora responsável pela mistura com diesel, na chegado do caminhão à base de distribuição.


Por outro lado, Volnei Pereira, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Equipamentos para Postos de Serviços (Abieps) considera que “os itens utilizados nos postos estão adequados ao B5”, mas salienta que “cada equipamento reage de forma diferente dependendo de sua funcionalidade”.

Como divulgado na edição anterior, o presidente da Metalsinter já alertava os revendedores quanto à necessidade de cuidados adicionais na manutenção dos sistemas de armazenagem e filtragem de diesel nos postos, com drenagem de tanques e substituição dos componentes filtrantes com maior freqüência, entre outros procedimentos. E isso sugere custos extras.