por Cristiane Collich Sampaio


 



A partir de 1º de janeiro de 2011, o Brasil será comandado por Dilma Vana Rousseff. A nova presidente da República assumirá seu posto num contexto privilegiado e, talvez por isso mesmo, seus desafios sejam maiores.


Sua campanha à Presidência contou com o apoio irrestrito do presidente Lula, seu maior cabo eleitoral, cujo governo foi e está sendo marcado pela aprovação da grande maioria da população, de acordo com reiteradas pesquisas de opinião.


Além de sua experiência como estadista, de ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República, responsável pelo desenvolvimento e lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi no campo da energia que a economista Dilma Rousseff teve maiores oportunidades de demonstrar seu potencial. Como secretária de Minas, Energia e Comunicações do Rio Grande do Sul, desenvolveu projetos de infraestrutura que evitaram que o estado sofresse com a crise energética que assolou o país no início desta década. Depois, como ministra de Minas e Energia do governo Lula, afastou o risco de outro racionamento de energia e coordenou a estruturação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), cujo lançamento ocorreu no final de 2004. Já na Casa Civil, coordenou a comissão interministerial encarregada de definir as regras para a exploração do pré-sal.


Nesta entrevista exclusiva, realizada durante a campanha, a presidente Dilma Rousseff analisa aspectos relacionados à matriz energética brasileira e ao setor de combustíveis. Ela pretende dar continuidade a políticas em prol da ampliação do uso de combustíveis de fontes renováveis, da estabilidade dos preços dos derivados do petróleo no mercado nacional e que visem reduzir a volatilidade dos preços do etanol.


 


Posto de Observação – Quais as chances de o Brasil se tornar uma potência mundial energética (Petrobras, líder em perfurações profundas; força-tarefa para a internacionalização do etanol; expansão da produção de biodiesel etc.) na próxima década?


Dilma Rousseff – O Brasil já é uma potência energética. Somos líderes globais quando a questão é uma matriz energética bem equilibrada entre fontes renováveis e não renováveis. Praticamente metade da nossa oferta de energia é renovável, enquanto a média mundial é de apenas 13%. Nesse quesito, o mundo inteiro queria ser como o Brasil já é hoje. Inclusive, vejo que um grande desafio que temos é manter nos próximos anos essa brilhante participação de energias renováveis na matriz, mesmo tendo como pano de fundo o crescimento sócio-econômico, que resultará em maior demanda de energia per capita.


 


PO – Diante do cenário macroeconômico, como o Brasil está posicionado hoje com relação ao aspecto da infraestrutura energética (limitando-se aos combustíveis) e como pretende conduzir as questões do país nesse sentido?


Dilma – Manter a competição no segmento de distribuição é importante e tende a favorecer o consumidor, desde que sejam mantidos a qualidade dos combustíveis (adulteração zero), preços concorrenciais compatíveis e garantia de suprimento.


 


PO – A seu ver, o programa nacional de biodiesel deve seguir conforme planejado ou acredita que haja necessidade de ajustes?


Dilma – O biodiesel brasileiro é um caso concreto de uma política pública bem sucedida. Somos um dos principais produtores e consumidores de biodiesel no mundo. Nossa base legal e normativa é sólida e transparente, o que assegura um mercado firme e tranquilidade para o investidor. Devemos expandir a participação do biodiesel na matriz energética, mas com segurança, competitividade econômica e inclusão social.


 


PO – Como vê as recentes fusões e aquisições no setor da distribuição de combustíveis, com a crescente retirada das multinacionais do mercado?


Dilma – Essas multinacionais deixaram o segmento de distribuição em razão de movimentos naturais, que ocorrem na área de revenda (distribuição), e optaram por focar sua atuação em atividades de exploração e produção, buscando a incorporação de reservas em seus ativos no Brasil e no exterior.


 


PO – Acredita em uma possível diminuição de concorrência e conseqüente elevação de preços no mercado interno?


Dilma – Não acredito na elevação de preços internos por conta da saída de multinacionais, já que hoje dez distribuidoras estão ligadas ao Sindicom e outras tantas fazem parte deste mercado altamente competitivo.


 


PO – Prevê o ingresso de outras empresas multinacionais no mercado de distribuição de combustíveis (especialmente automotivos)? Pretende atraí-las de alguma forma?


Dilma: Não haverá movimento de Governo que impeça distribuidoras estrangeiras de atuar no país, porém não vejo necessidade de promover novas entrantes (já existem hoje 167 distribuidoras ativas).


 


PO – Qual o papel da BR nesse contexto? Ela pode atuar como um balizador neutro do mercado ou um instrumento de políticas públicas no campo energético?


Dilma – A BR é a ponta de uma empresa verticalizada, que atua na exploração e produção de petróleo e gás natural, energia, refino, petroquímica e distribuição de combustíveis fósseis e renováveis (etanol e biodiesel). Em sendo assim, a BR tem o papel de atuar como o benchmark das melhoras práticas no atendimento ao consumidor, principalmente no que se refere à qualidade dos combustíveis. Não é um balizador neutro do mercado. No entanto, não concordo que seja um instrumento de políticas públicas no campo energético.


 


PO – É favorável à internacionalização e certificação do etanol? Como essa certificação será feita em seu governo?


Dilma – O país só tem a ganhar com isso. O etanol reduz as emissões poluentes e contribui para eliminar os gases formadores do efeito estufa. A internacionalização requer regras claras de comércio. O Governo precisa atuar cada vez mais no debate internacional. Devemos ter cuidado para a certificação não resultar na introdução disfarçada de barreiras comerciais que prejudiquem o interesse brasileiro.


 


PO – Pretende rever a tributação dos combustíveis automotivos, considerada muito alta, e rever os mecanismos, já que estes, no álcool, ainda possibilitam evasão fiscal?


Dilma – Gostaria de diferenciar dois pontos: carga tributária e sistemática de controle e fiscalização da tributação. Quanto ao peso da tributação, estamos na média mundial. Nos países membros na União Européia a carga é mais elevada do que a nossa. Fraudes e evasão fiscal são evitadas mediante o controle e fiscalização de alíquotas tributárias diferenciadas entre produtos concorrentes.


 


PO – É sua intenção manter a atual política de preços, em que cabe à Petrobras e à Cide amortizar eventuais impactos dos preços internacionais do petróleo no mercado interno de combustíveis?


Dilma – A prática de não repassar a volatilidade dos preços ao consumidor é adequada. A Petrobras não repassa os preços da volatilidade de petróleo no mercado internacional, portanto a BR e as demais distribuidoras de combustível não tem razão para promover aumentos de preços. A ANP acompanha a variação dos preços ao consumidor; caso ocorram práticas indevidas o assunto é levado caso a caso aos órgãos competentes.


 


PO – O que pretende fazer para evitar as grandes oscilações de preço do etanol no mercado interno? O financiamento de estoques reguladores, com juros reduzidos, é visto como uma das saídas possíveis? Que outros mecanismos poderiam ser utilizados?


Dilma – As oscilações de preços são motivadas por fatores de médio e longo prazo relacionados com o equilíbrio entre oferta e demanda. Isso requer planejamento adequado, tanto pelo Governo quanto pela iniciativa privada. Compreende ainda, no campo internacional, ações para chegarmos numa certificação que induza a produção de etanol. Eventuais restrições de entressafra vivenciadas no Brasil poderão ser minimizadas se avançarmos na criação de um verdadeiro mercado global, com outros países produzindo etanol. Devemos inovar e arquitetar soluções para termos um mercado de etanol mais previsível.