por Cristiane Collich Sampaio

Em 2010, o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) registrou o recorde histórico de vendas de combustíveis no Brasil, com consumo total estimado em mais de 108 bilhões de litros. Esse volume representou crescimento de quase 9,5% em relação ao ano anterior, superando o percentual de expansão da economia brasileira. Suas associadas – que são basicamente as distribuidoras tradicionais de grande porte ALE, Cosan, Ipiranga, Petrobras Distribuidora e Shell, além das empresas dedicadas à produção e comercialização de lubrificantes e combustíveis de aviação – responderam por 78% desse total, comercializando R$ 84,2 bilhões de litros no período, entre produtos de uso automotivo e de aviação. Esse número só não foi maior em razão da concorrência desleal que o setor de combustíveis enfrenta, provocada pela adulteração de produtos e sonegação de tributos.

Os resultados de 2010 já seriam motivo suficiente para o Sindicom comemorar, mas a esse se agrega outro. No dia 19 de fevereiro de 1941, em plena II Guerra Mundial, era eleita em assembleia, no Rio de Janeiro (RJ), então capital federal, a primeira diretoria do Sindicato do Comércio Atacadista de Minérios e Combustíveis Minerais, a entidade que deu origem ao Sindicom.

Nesses 70 anos a instituição não apenas procurou defender os interesses legítimos de suas associadas, como influiu na história da comercialização dos combustíveis no Brasil. Essa história é relatada no livro comemorativo História da Distribuição de Combustíveis no Brasil, lançado no final de 2010, que teve redação e pesquisa de Francisco Luiz Noel e traz a evolução do setor à luz das transformações políticas e econômicas sofridas pelo Brasil desde o final do século XIX.

Organização e transformações

O autor relata que a chegada do primeiro carro no Brasil se deu em 1891 e que de 1905 a 1907 a frota de carros do Rio saltou de seis para 66 veículos. Em1908, o “ano do automóvel”, as ruas centrais da capital se transformaram para permitir a circulação dos novos veículos, incluindo os primeiros ônibus para transporte público, com carroceria de madeira, movidos a gasolina. Esse também foi o ano do lançamento do Ford T nos EUA, primeiro grande sucesso de vendas da indústria automobilística.

Essas transformações fazem com que a distribuição organizada de combustíveis tome impulso. Em janeiro de 1912, a Standard Oil (Esso) se instala no país, abrindo caminho para a chegada da The Anglo-Mexican Petroleum Products (futura Shell), em 1913, e da Texas Company South America (Texaco), em 1915. Nas décadas seguintes, outras multinacionais do petróleo, como a Atlantic e a Gulf, viriam a se incorporar a esse grupo. A primeira bomba de rua foi instalada pela Esso na Praça XV de Novembro, no Rio de Janeiro, em 1923.

No final da década de 30 o grupo de distribuidoras, juntamente com empresas de mineração, veem a necessidade de se organizar num sindicato representativo de seus interesses. Porém, a carta sindical só é concedida pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em janeiro de 1941. Foi somente em 1965 que, após ter se tornado uma entidade de abrangência nacional, o segmento da distribuição se separa do de mineração, dando origem ao atual Sindicom.

Em seus primeiros anos, a entidade atuou junto aos órgãos governamentais para tentar minimizar os efeitos do racionamento de combustíveis e do tabelamento dos preços (o preço único, nacional, foi instituído em 1942), assim como na negociação de acordos coletivos de trabalho.

Na década de 50 dois fatores marcam a trajetória do setor: a largada da indústria automobilística nacional e a instituição do monopólio do petróleo, com a criação da Petrobras. Como lembra o vice-presidente executivo do sindicato, Alísio Mendes Vaz, “a criação da Petrobras foi um fato marcante no setor, tendo tido grande repercussão no mercado, inclusive de distribuição, que passou a estar vinculada a um grande fornecedor nacional, dentro de uma nova sistemática e estrutura legal”.

Em 1951 a compra de veículos representou 15,1% do total de importações. O Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes foi um dos instrumentos usados para capitalizar a estatal. Nessa época, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) é o órgão responsável pelo setor, conduzindo-o – especialmente os segmentos de distribuição e revenda de combustíveis – com mão de ferro.

Alísio Vaz comenta que a instituição “teve papel decisivo durante o período de tabelamento, procurando, junto ao CNP, a definição de margens adequadas ao ressarcimento dos custos de suas associadas e a uma justa lucratividade”.

Vale lembrar que a estrutura de preços dos combustíveis, estabelecida pelo órgão para cada um dos produtos, definia valores para cada componente dos custos da cadeia de comercialização, de forma a garantir a remuneração dos agentes privados pelos seus serviços e a manter os preços uniformizados em todos os pontos do país. O CNP aceitava negociar com o Sindicom e, posteriormente, na década de 80, também com as entidades representativas dos revendedores, os itens dessa estrutura, para atualizar os valores e as respectivas margens de distribuição e de revenda. Esse sistema perdurou até a liberação dos preços, que ocorreu de forma gradual a partir de 1990.

As crises do petróleo e o combustível brasileiro

Conforme destaca o vice-presidente executivo do Sindicom, outros acontecimentos figuram com destaque nessa história. As crises do petróleo dos anos 70, com a explosão dos preços, que implicou em restrições à venda dos combustíveis, e a introdução do etanol na matriz encontram-se entre eles.

A pressão das importações de petróleo sobre a balança comercial impulsionou o desenvolvimento do Proálcool, lançado em 1975, e a pesquisa e a exploração de jazidas de petróleo pela Petrobras, também por meio da formalização de contratos de risco com petrolíferas multinacionais (que não produziram frutos), que posteriormente gerou a descoberta das reservas gigantes de petróleo e gás natural da Bacia de Campos, pela estatal.

A entrada do etanol na matriz energética, primeiro adicionado à gasolina e, depois, em 1979, com o surgimento dos carros a álcool, também como um carburante independente, exigiu das associadas do Sindicom investimentos significativos em logística e bases, assim como, em muitos casos, na adaptação dos postos, para poder comercializar o novo combustível em todo o país.

Constituição 1988 e liberação do setor

Seguindo a linha do tempo, o vice-presidente também cita como fatos marcantes na trajetória da entidade, a Constituinte de 1988 e, a partir de 1990, a flexibilização dos preços dos combustíveis, sua liberação, a nova lei do petróleo (1997) e a criação da agência reguladora (ANP) e, ainda, a liberação total do setor. Segundo ele, em todos esses cenários, assim como no combate às fraudes tributárias e à adulteração de produtos, o Sindicom esteve presente.

Com campanha na mídia e junto aos parlamentares, a entidade, com a colaboração da revenda, procurou mostrar à sociedade a importância de manter a livre concorrência na distribuição de combustíveis. Com o slogan “quem distribui também contribui”, a campanha consegui afastar a ameaça de nacionalização da atividade, proposta na Assembleia Constituinte que deu origem à Constituição Federal de 1988.

A descentralização tributária definida pela nova Carta foi o ponto de partida para a desregulamentação e posterior liberação dos preços dos combustíveis e do setor, que estavam em sintonia com o processo de abertura política e econômica por que passava o país. Em 1990 os preços finais começam a obedecer, apenas, a tetos máximos. A liberação dos preços da gasolina e do álcool ocorre em 1996 e, em 2002, a liberação total do setor, incluindo a importação e exportação de derivados.

A nova lei do petróleo – Lei nº 9 678, assinada em 1997 – flexibiliza o monopólio do petróleo e oferece novos parâmetros para o desenvolvimento das atividades de produção e comercialização no mercado aberto. Além disso, cria o novo órgão de regulação e fiscalização do setor, a Agência Nacional do Petróleo – hoje Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Alísio Vaz assinala que a abertura era “necessária ao setor e ao país”, pois o regramento artificial do passado era algo insustentável no novo contexto. Como consequência desse processo, entraram muitas novas empresas no segmento, acirrando a competição, o que ele considera como positivo.

Entretanto, talvez pelo despreparo das instituições de controle, ele lembra que o setor de combustíveis passa a assistir à proliferação das fraudes fiscais e das formas de adulteração dos produtos, problemas cuja solução “conta com grande dedicação do Sindicom”. E apesar de assinalar que esse tipo de irregularidades não se restringe ao setor, ele acredita que isso poderá ser resolvido com “a melhora na aplicação das leis existentes”. O executivo também declara que “o ambiente altamente competitivo e a presença das fraudes acabou por estreitar a parceria entre o Sindicom e as entidades da revenda, para criar condições para que o setor possa prosperar de forma séria”.

E é por isso, por reconhecer a postura ética do Sindicom, pelos seus esforços para eliminar as irregularidades do mercado, em parceria com a revenda, com o Sincopetro, que a PO presta esta homenagem à entidade, reproduzindo alguns fatos de sua história, quando completa seus 70 anos de existência.

Fatos curiosos

· Em 1891, quando, na volta de sua primeira viagem à França, Alberto Santos Dumont trouxe “na bagagem” um Peugeot, movido a gasolina. Sua experiência automobilística foi valiosa na construção de suas aeronaves.

· Na época da II Guerra Mundial, nos armazéns, além de produtos secos e molhados, bombas de gasolina e tambores de lubrificantes, as distribuidoras comercializavam sacos de carvão vegetal, para alimentar os veículos movidos a gasogênio, fonte alternativa de energia durante o racionamento.

· Durante a ditadura, o Sindicom foi presidido por um militar. De 1971 a 1980 o general João José Baptista Tubino, da Petrominas e, depois, da Companhia São Paulo, comandou a entidade, de certa forma facilitando as relações entre esta e o CNP, já que este também era presidido por um militar.