por Denise de Almeida

Sem uma política claramente definida sobre como será a distribuição e comercialização do diesel S50 a partir de 1º de janeiro de 2012, revendedores questionam a eficácia do programa e perguntam quem vai pagar esta conta.

A partir de 1º de janeiro do ano que vem todos os caminhões e ônibus movidos a diesel fabricados no país devem estar equipados com motores dotados de tecnologia para atender ao Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve P-7). O programa  –  equivalente ao Euro 5, que já vigora na  Europa e em outros países –  prevê também que esses veículos sejam abastecidos com um diesel mais limpo, o chamado S50, que deve substituir o S500 hoje comercializado na maior parte do Brasil, com um volume de enxofre dez vezes maior.

Instituído pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama),  a nova fase do P-7 deveria ter entrado em vigor em janeiro de 2009, mas um acordo firmado entre Ministério Público Federal, Petrobras, ANP,  Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea)  e as empresas do setor automobilístico adiou essa data para janeiro de 2012.  

Contudo, mesmo com essa ampliação de prazo e  a apenas poucos meses de sua implantação, ainda não há uma política sobre a distribuição e comercialização do novo produto.

 E os postos?  

Ausentes das reuniões para definição do abastecimento do S50, os revendedores só foram consultados uma única vez ao longo desse processo, quando, em meados do ano passado,  a ANP fez uma pesquisa de intenção  junto aos  38.148 varejistas do país sobre o seu interesse ou não em vender o diesel de baixo teor de enxofre.

O resultado, que deveria  servir de base para a implantação do programa, não foi efetivo e ainda traz informações desencontradas.  Enquanto a assessoria de imprensa da agência afirma que 3,4 mil postos manifestaram interesse pelo novo combustível, o diretor Allan Kardec Duailibe,  durante o seminário ‘Diesel e Emissões em Debate’,  realizado pela Anfavea, disse que esse número não passa de  1,2 mil,  o que é insuficiente para atender a malha rodoviária do país, que precisaria de, pelo menos,  duas vezes mais postos.

José Alberto Paiva Gouveia,  presidente do Sincopetro,  ressalta que, ainda que esses revendedores se convençam de que o produto é um bom negócio, os custos com adequação do estabelecimento e instalação de um novo tanque pode passar de  R$ 80 mil  “e não será compensado devido à baixa demanda pelo produto”,  diz.  Há ainda o aspecto burocrático, com nova licença junto à ANP,  ao órgão ambiental e prefeituras, cuja emissão de documentos costuma ser bastante demorada.  “Será impossível cumprir o prazo determinado para o  S50 agora e,  muito menos, para o uso do S10,  previsto para 2013”,  alerta.

A  situação parece menos grave para os 8,4 mil  postos localizados em estradas ou em anéis rodoviários, que não necessariamente teriam de investir na construção de tanques separados para o diesel limpo.   Mas, considerando que, segundo a própria assessoria de imprensa da ANP,  dentre todos os postos espalhados pelo país, há 36,2 mil  revendas que têm pelo menos um bico de óleo diesel  –  portanto, muitos deles instalados em aglomerados urbanos onde o nível de poluição é mais elevado  –, a conta para esses postos pode ficar mesmo muito cara e o objetivo principal de redução de emissões pode não ser atingido. Por isso,  Gouveia  quer saber que subsídios o governo vai oferecer para o dono do posto instalar os equipamentos novos.

Isso sem contar que a baixa demanda pelo produto nesse primeiro momento, segundo Gouveia, além do prejuízo  financeiro ao revendedor por manter o estoque sem circulação, pode acarretar em problemas com o produto em si.  “Imagine o combustível parado em um tanque de 10 mil litros enterrado no posto durante seis meses aguardando comprador?”,  questiona. 

Ponto fraco do programa

Os problemas apontados por Gouveia, não parecem, de fato, preocupar a ANP que, segundo sua assessoria,  “trabalha para que não haja desabastecimento em nenhuma região do país”. A agência assegura que  “o número de  revendas com bicos de óleo diesel S50 será crescente, acompanhando o aumento da frota de veículos ciclo diesel que usará o combustível”, mas, em nenhum momento explica como fará isso.

Sergio Fontes, da Petrobras, durante sua apresentação no seminário da Anfavea,  destacou que é importante  “garantir a adequação das instalações de distribuição e revenda em tempo hábil para a movimentação dos vários tipos de diesel” e diz que  “a ANP tem um papel essencial na  promoção das ações necessárias dos vários agentes visando a garantia do abastecimento nacional do S50”.

Para os representantes dos transportadores de carga, o programa é irreversível, mas o abastecimento é mesmo o ponto fraco do programa.  Neuto Gonçalves dos Reis, diretor técnico da Associação Nacional do Transporte de Carga  (NTC), revela que as grandes transportadoras têm o seu próprio ponto de  abastecimento e recebem o combustível direto.  Ainda assim, a categoria está se antecipando em comprar caminhões ainda este ano, com motores que aceitam o S500,  para não ser surpreendida no ano que vem com uma possível falta de produto,  o que significa dizer que, se a demanda pelo S50 nesse primeiro momento já seria baixa, agora poderá ser ainda mais insatisfatória.

A  Anfavea, por sua vez, deixa claro que os veículos especialmente desenvolvidos para esta etapa “somente estarão em conformidade se abastecidos com o S50, sob pena de, abastecidos com diesel com teor de enxofre mais elevado,  poluírem mais e sofrerem danos”. E ressalta que o Arla 32, um derivado da ureia que tem a função de capturar grande parte do óxido de nitrogênio emitido na combustão do motor, antes que o gás poluente seja liberado para a atmosfera, “será fundamental para atuar junto com o catalisador no tratamento dos gases do escapamento”. 

E, caberá ao  caminhoneiro ou motorista de ônibus abastecer o veículo com o Arla 32, que  – pasme! –  também será comercializado pelos postos que venderem S50. Mas não será responsabilidade da ANP regular o produto.  Ele ficou a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis  (Ibama) que, por sua vez, delegou a elaboração dos padrões de qualidade, bem como as regras para medição e fiscalização do produto para o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial   (Inmetro).

E, enquanto não se define quem  ficará responsável pelo quê, os revendedores estão sem saber como proceder.  Como deverão armazenar e comercializar o aditivo?  Em galões, tanques, recipientes específicos?   De quem terão de comprar?

Assim como vai acontecer com o diesel  S50, os revendedores não estão obrigados a comercializar o produto, mas, segundo a Petrobras, “deverão fazê-lo por questões comerciais”.

A história pode se repetir

Sempre ressaltando que toda medida que venha para contribuir com o meio ambiente é louvável e deve ser integralmente  acatada, Gouveia, do Sincopetro, lamenta a completa falta de planejamento para adoção do uso do S50.  “O programa tem que ser mais bem planejado.  Esperar que o mercado se autorregule é uma temeridade”, diz.  “Basta ver o que aconteceu com o GNV”,  combustível promissor na década de 90  que contou com o apoio de muitos revendedores, mas que atualmente estão arrependidos com o investimento feito em um produto que,  até hoje,  carece de regulação.