por Cristiane Collich Sampaio

Ainda que o Brasil não esteja sofrendo os impactos da crise financeira internacional com a mesma intensidade que países da Europa, por exemplo, é fato que a recessão mundial leva à diminuição das exportações brasileiras. A indústria nacional, especialmente, está se ressentindo disso, apesar dos estímulos fiscais pontuais oferecidos pelo Governo a alguns setores. Como decorrência, o ritmo de crescimento econômico está decaindo e deve se refletir nas vendas de combustíveis. Mas há outros elementos a serem considerados ao se olhar os detalhes do cenário atual.

Para o economista Maurício Canêdo Pinheiro, professor e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Brasil, os setores mais afetados pela crise mundial estão sendo os exportadores, que têm nos países mais desenvolvidos, como os europeus, seus principais clientes. “Apesar do menor crescimento da China, um dos principais importadores das commodities minerais e agrícolas do Brasil, esses segmentos pouco serão afetados. Todavia, o desempenho da indústria nacional já vem sinalizando as dificuldades por que passa, pois há setores que já chegaram ao limite de sua competitividade internacional, sendo mais vulneráveis a oscilações do câmbio e, também, mais suscetíveis aos humores externos”.

Crise e soluções

Para ele, a crise expõe os problemas setoriais de forma mais clara, como a alta carga fiscal sobre os produtos, o custo elevado da mão-de-obra e a infraestrutura inadequada, e pode ajudar a resolvê-los. “O Governo conhece essas questões, mas a solução não é algo trivial, pois para aliviar o peso dos tributos, o Governo também tem de levar em conta os compromissos assumidos no orçamento da União”, comenta. O economista assinala que “talvez esta seja a oportunidade de tornar o produto doméstico mais competitivo externamente, com medidas de maior abrangência e longa duração; não é o caso de isolar nossa economia, impondo barreiras à entrada de similares importados”.

Assim como a expansão do crédito, inclusive de linhas direcionadas à classe C, a redução temporária do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre alguns bens duráveis, como carros e geladeiras, tem surtido efeitos no crescimento das vendas internas.

De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em junho último, a produção industrial cresceu 0,2% frente a maio, após três meses seguidos de taxas negativas que acumularam perda de 2,1%. Esse resultado discretamente positivo foi impulsionado em parte, pela indústria automobilística, com destaque para as vendas de veículos leves, beneficiados por tributação menor. Embora o segmento tenha registrado produção 7,6% menor em relação a junho de 2011, o número de licenciamentos de veículos novos foi 16,9% maior em junho deste ano. Em julho último, o segmento comemorou o segundo maior recorde mensal de vendas de sua história, com 351.556 carros e comerciais leves comercializados, 3,18% a mais do que em junho e 22% acima do volume registrado em julho de 2012.

Mas como lembra Pinheiro, “a redução do IPI é uma medida pontual, de curto prazo, que apenas antecipou as vendas, pois a maioria das pessoas não vai trocar de carro todos os anos. Depois, a demanda terá de crescer mediante outros fatores”.

Curva descendente

Isso significa que a frota brasileira de veículos está em crescimento. Porém, no mercado interno de combustíveis, o ciclo virtuoso dos últimos anos, com sucessivos recordes de vendas de gasolina e diesel em índices muito acima aos da expansão econômica, não deverá se manter. “O consumo acompanha de perto o crescimento da economia, que estava em franca ascensão, e, além disso, foi estimulado pelos preços, mantidos artificialmente baixos pelo Governo”, analisa Pinheiro. Com o desaquecimento econômico, já em curso, e o quase certo aumento dos preços internos desses combustíveis, possivelmente após as eleições, ele prevê que a queda no consumo desses produtos venha a ser mais acentuada do que a do ritmo da economia brasileira.

Com os preços do etanol pouco competitivo, a Petrobras vem sustentando crescentes importações de gasolina, com elevado ônus frente aos preços internos defasados, à desvalorização do real frente ao dólar e à ascensão dos preços internacionais do petróleo no período. E a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) usada para amortizar as oscilações dos preços externos no mercado interno está zerada desde junho.

O aumento dos preços finais da gasolina e, sobretudo, do diesel, se materializado, além de ter impacto direto negativo nas vendas, também afetará, de forma indireta o preço da maior parte dos produtos e, com isso o comportamento da inflação. O aumento irá se refletir de forma diferenciada cada produto, dependendo do peso do frete na composição dos custos.

Matriz sustentável 

O inevitável aumento do preço da gasolina também deverá impulsionar as vendas de etanol e dará margem ao recrudescimento de uma velha discussão, a do papel desse produto na matriz dos combustíveis automotivos. “É pouco eficaz oferecer linhas de crédito aos produtores de cana e de etanol, pois ninguém irá investir na expansão e renovação das lavouras e em refinarias se não houver definição das regras do jogo, sinalizada por políticas claras, de longo prazo, para os combustíveis”, declara Maurício Pinheiro. Segundo ele, diferentemente do que vem ocorrendo, “devem prevalecer as leis de mercado, pois se o Governo intervém, como vem ocorrendo com os preços dos derivados do petróleo, chegará o momento de desatar o nó, como agora, e o impacto tende a ser maior. O Governo, ao segurar esses preços, é, em grande medida, responsável pelo desequilíbrio existente nos mercados de etanol e de gasolina que, do ponto de vista da demanda, estão cada vez mais interligados”. Ele considera menos danosa a convivência com as oscilações de preço do que o controle do mercado. “Ao se definir uma política de combustíveis, esta deve ter uma visão de longo prazo e não pode desconsiderar o etanol, tampouco o açúcar; tem de ser ampla”.