por  Cristiane Collich Sampaio e Márcia Alves

Alisio Jacques Mendes Vaz saiu da cena pública discretamente no final do ano passado, após divulgar o balanço anual de combustíveis do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom) para a imprensa, no dia 14 de dezembro de 2014, no Rio de Janeiro (RJ), conforme nota divulgada pela entidade. Imbatível na argumentação técnica e política, foi vencido pelo câncer e faleceu no domingo de Carnaval,breitling replica 15 de fevereiro. Era casado e tinha dois filhos.

Em abril de 2011 Alisio assumiu a presidência do Sindicom, mas muito antes disso já participava ativamente da política sindical do setor. Formado em Engenharia de Construções pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), trabalhou na Ipiranga por 25 anos, acumulando conhecimentos e experiências sobre o setor de combustíveis e assuntos relacionados. Em paralelo, por 16 anos cooperou intensamente com a entidade nacional – primeiro como diretor de Defesa da Concorrência, em seguida, entre 2004 e 2011, como vice-presidente executivo, e depois, como presidente.

É difícil dissociar a vida de um dos principais personagens dessa história dos fatos que a pontuaram. Sua trajetória na entidade e no cenário nacional está intimamente ligada à história do setor de combustíveis e de seu conturbado processo de liberação e regulamentação. 

Alguns momentos

Alisio Vaz teve papel destacado em todos os embates travados desde então em busca da reorganização institucional e fiscal dos elos da cadeia de combustíveis, que permitisse a consolidação de um ambiente concorrencial sadio para todos os agentes.

A abertura era “necessária ao setor e ao país”, afirmava. Porém, talvez pelo despreparo das instituições de controle, o setor de combustíveis passou a assistir à proliferação de fraudes fiscais e de formas de adulteração de produtos, problemas cuja solução contava “com grande dedicação do Sindicom”. Essas considerações fazem parte de entrevista publicada na edição 333 da revista Posto de Observação, por ocasião do 70º aniversário do sindicato nacional das distribuidoras. Nessa mesma entrevista, o executivo declarava que “o ambiente altamente competitivo e a presença das fraudes acabou por estreitar a parceria entre o Sindicom e as entidades da revenda, para que o setor (pudesse) prosperar de forma séria”.

Lado a lado com sindicatos como o Sincopetro, entre outras instituições, esteve à frente do combate à indústria de liminares, que por anos isentou agentes do recolhimento do ICMS e do PIS/Cofins sobre os combustíveis, favorecendo a competição desequilibrada e penalizando as empresas idôneas. A vitória demorou, mas veio, com o esclarecimento do Judiciário sobre as características particulares do setor e com mudanças no sistema de recolhimento desses tributos.

Comércio irregular de etanol (“álcool molhado”, venda direta de usinas a postos), adulteração de combustíveis (com etanol, solvente de borracha, refinado e outros produtos) e evasão fiscal (passeios do combustível), assim como as malfadadas distribuidoras “barrigas de aluguel”, entre tantos outros, foram problemas enfrentados e superados (ao menos em parte) pela revenda e pela distribuição juntas. 

Alisio não poupou esforços para ver a integridade do mercado recuperada e esteve presente em todas as oportunidades em que essa bandeira foi levantada.

Parcerias

Movimentos idealizados pelo Sincopetro para reconduzir a ética para dentro do setor foram engrossados pelo Sindicom, com a presença da figura pública mais conhecida da entidade. Foi assim no fórum “Direito do Consumidor X Mercado Ilegal de Combustíveis – Idéias e Soluções”, realizado em parceria com o Sincopetro e outras instituições, em São Paulo (SP), em março de 2009. Ainda naquele ano e também com o objetivo de juntar forças na luta contra as irregularidades do mercado de combustíveis, participou do “Fórum de Debates contra o Combustível Adulterado”, em Santo André e em outras regiões do estado de São Paulo. Difícil relacionar todas as ocasiões em que Alisio Vaz deu seu apoio e seguiu ao lado da revenda em lutas comuns. 

A mesma parceria que se desenvolveu nos debates com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sobre a necessidade de legislações mais claras e severas e de controles mais eficientes sobre o mercado se manteve na seara ambiental e tributária, nas discussões com órgãos ambientais, com secretarias da Fazenda de estados, com o Ministério Público, o Judiciário, com os institutos de pesos e medidas (Ipens) pelo país.

Nos últimos anos, os problemas de qualidade decorrentes da redução do teor de enxofre no diesel e a entrada no mercado, primeiro do S50, em 2012, e depois do S10, em 2013, – produtos mais instáveis do que os comercializados anteriormente –, puderam ser solucionados pela ação conjunta de todos os envolvidos, inclusive fabricantes de equipamentos, gerando alterações na especificação desses combustíveis e orientações sobre seu armazenamento e manuseio.

Muito embora às vezes as questões acabassem por colocar revenda e distribuição em campos opostos – o que é natural, pois cada segmento tem interesses próprios –, é inegável a lisura de Alisio Vaz nas negociações com a revenda, perante a ANP e outras instâncias oficiais. Isso se viu no processo de discussão da nova regulamentação da revenda e da distribuição, publicadas pela agência no ano passado.

Se hoje o mercado ainda está longe da perfeição, não se pode negar que está muito melhor do que nos anos 90 e nos últimos 14 anos de mercado livre. Ainda há muito para ser feito. Pena que a equipe esteja desfalcada: Alisio Vaz partiu cedo demais e fará muita falta. Mas o setor tem de “tocar o barco”, no mínimo.

DEPOIMENTOS

Fazendo falta

“O que falar do Alisio?

Difícil. Há muito a dizer, mas agora as palavras não vêm facilmente. É uma perda muito grande para todos nós. Eu o considerava meu amigo. Passei a admirá-lo no convívio sindical, na defesa de bandeiras que eram comuns à revenda e à distribuição, como as tantas que levantamos pelo saneamento do mercado de combustíveis. Era dos poucos que sabiam muito bem do que estavam falando quando se referiam a esse mercado. Ele conhecia muito do setor, em diferentes aspectos, buscando o consenso, quando interesses contrários estavam em jogo, sem deixar, entretanto, de defender seus pontos de vista. Mas sempre manteve uma postura ética, não usando subterfúgios para, quando a oportunidade se apresentava, passar a perna em seus parceiros.

Nunca se furtou de participar de debates e reuniões promovidos pelo Sincopetro, comparecendo sempre que convidado, dando sua contribuição às discussões e fortalecendo a parceria sempre que possível. Acho que temos de honrar sua herança e prosseguir nesse caminho.

O Alísio nos deixou cedo demais. Só tinha 61 anos e estava no auge da vida. Estou certo que teria muitas realizações pela frente. Ele deixou um vazio. Já está fazendo falta.” José Alberto Paiva Gouveia, presidente do Sincopetro

Referência para o setor

“Alísio era um experiente profissional do mercado, trabalhou por 25 anos na Ipiranga, dos quais 16 anos junto com a equipe do Sindicom. Portanto, durante mais da metade de sua trajetória no setor ele participou de ações, definições de estratégias e dos desafios que vivenciamos na distribuição de combustíveis. 

Ao longo desse período, na época em que os preços eram controlados, atuou na Coordenadoria de Preços e, mais tarde, assumiu a diretoria de Defesa da Concorrência, na qual permaneceu por um período grande. Depois, se tornou vice-presidente executivo e, em 2011, com a mudança de gestão do Sindicom, assumiu a posição de presidente executivo na diretoria eleita, cargo para o qual seria reconduzido na próxima gestão, para cumprir o terceiro mandato.

Alísio enfrentou desafios enormes no importante processo de melhoria do mercado de combustíveis no país, como o combate às irregularidades na comercialização de etanol; a entrada no mercado do biodiesel; e o lançamento do diesel S50 e S10. Todos enfrentados com muito equilíbrio e muita tranquilidade por ele, que esteve sempre presente e disponível. Alcançamos grandes vitórias. Nos últimos três anos, o mercado melhorou muito, principalmente, com a redução das irregularidades no etanol. Algumas dificuldades ainda persistem, mas houve muita evolução. 

Como profissional, era muito estudioso, focado, muito bem preparado, com grande conhecimento do setor e muito interessado em resolver os problemas. Formado em engenharia de construções, Alísio era um profissional muito estudioso, na realidade, um pesquisador. Por isso, acabou se tornando referência para o setor e para a imprensa. Procurado para se pronunciar sobre qualquer questão referente ao setor de combustíveis, nunca deixou de atender ninguém. 

Como pessoa, era simpático e sempre tratava a todos os seus interlocutores de forma muito gentil. Essa característica se tornou sua marca e serviu de exemplo aos seus colegas do Sindicom, que passaram a seguir esses conceitos na condução da entidade. O Sindicom tem muito respeito pelo Alísio, por seu trabalho de difusão e divulgação da entidade.

O sentimento que fica, agora, é de exemplos positivos, um legado que vamos seguir para resolver os desafios, que não são apenas do setor, mas do país. Não diria que ficou um vazio, porque não perdemos, mas ganhamos uma referência de equilíbrio e ética profissional”. Jorge Luiz Oliveira - Diretor Executivo do Sindicom

Legado importante

“Alísio tinha qualidades que o distinguiam, como bom amigo, companheiro solidário, profissional competente e de conduta ética exemplar.

Construiu carreira sólida no setor, desenvolvendo conhecimento e experiência, com ênfase em sua atuação no Sindicom, no qual ocupou a posição de presidente executivo nos últimos anos.

Liderança reconhecida, vocacionada ao diálogo e com firme determinação ao respeito às legislações e combate à informalidade.

Na Ipiranga, foram 25 anos de dedicação e produtiva atuação, dos quais a empresa muito se orgulha.

Lamentamos muito que ele tenha nos deixado de forma tão prematura. É uma perda para todos que com ele conviveram e para o downstream brasileiro. Uma grande perda, mas deixou importante legado”. Leocadio Antunes Filho - Diretor-superintendente da Ipiranga

Grande líder

“Perdemos um Grande Líder, um incansável batalhador na busca do aprimoramento do mercado da distribuição e revenda.

Apesar das divergências naturais, que ao longo dos anos existiram entre a distribuição e o segmento TRR, o Alísio sempre manteve conduta ética e transparente.

Sempre dialogamos e discutimos as divergências, na busca de um consenso, de um ponto de equilíbrio. Prova disso, dentre outras conquistas, para a distribuição e para a revenda, foi a edição da Resolução 34/07.

Sempre mantivemos um diálogo franco, ético e respeitoso. A elegância no trato, a ética na conduta e a sincera amizade marcaram a trajetória deste inigualável profissional.

Todos sentiremos sua ausência”. Álvaro FariaPresidente do Sindicato Nacional do Comércio Transportador-Revendedor-Retalhista de Combustíveis (SindTRR)