por Márcia Alves


 


Para evitar a sonegação de impostos, governo edita medida provisória concentrando a cobrança de PIS e Cofins nas usinas. Enquanto as distribuidoras de combustíveis comemoram, produtores de álcool apontam impactos negativos das mudanças.


 


No conjunto de novas regras tributárias propostas pela Medida Provisória 413, editada pelo governo no início de janeiro, está a mudança na forma de recolhimento de PIS e Cofins na comercialização de álcool combustível, que passa a ser concentrado nas usinas produtoras.


A substituição tributária será realizada com base nas novas alíquotas de contribuição estabelecidas pela medida, que fixou o percentual de 3,74% para o PIS e 17,25% para a Cofins, incidentes sobre a receita bruta dos produtores de álcool. As usinas poderão, ainda, optar pelo regime especial de tributação, que fixa a cobrança por metro cúbico de álcool em R$ 58,45 para o PIS e R$ 268,80 para a Cofins.


 


Entre as distribuidoras de combustíveis a medida foi festejada. Para o vice-presidente do Sindicato Nacional de Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), Alísio Mendes Vaz, a mudança deve contribuir para diminuir a volatilidade de preços do álcool, retirando do mercado de distribuição as empresas que sonegam impostos, além de colaborar para estimular uma comercialização mais eficaz. O Sindicom estima que cerca de R$ 1 bilhão em impostos sobre o álcool deixem de ser arrecadados anualmente.


 


Do lado dos produtores de álcool, representados pela União da Industria de Cana-de-Açúcar (Unica), a preocupação é com o impacto da medida sobre os agricultores. O diretor técnico da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues, avalia que o aumento de custo para as usinas terá de ser repassado para os agricultores, em virtude da volatilidade de preços do álcool. A seu ver, a substituição tributária do álcool como medida para evitar a sonegação é desnecessária, pois, muitas outras iniciativas com esse propósito têm surtido efeito.


 


Entre as principais iniciativas, ele citou o caso da adição de corante ao álcool anidro, das portarias que limitam a venda entre distribuidoras a 5% de seus volumes e da vinculação da compra do produto pelos postos de suas respectivas bandeiras, além do rigor e do controle nas vendas de álcool hidratado por parte da Fazenda paulista que, na sua opinião, já eliminaram as distribuidoras emergentes do mercado e concentraram nas associadas do Sindicom cerca de 70% do mercado.”Isso já significa uma redução considerável da sonegação na fase de distribuição”, disse.


 


O secretario adjunto da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, disse à revista Posto de Observação que o objetivo do governo ao instituir a substituição tributária no álcool é evitar a sonegação de impostos no setor. Porém, não quis se pronunciar sobre as críticas dos produtores de álcool em relação ao aumento de custos. Ele disse que não comenta o assunto enquanto a medida, que entrará em vigor a partir de maio, não for regulamentada.


 


Ponto-de-vista


Procurados pela PO, os respectivos representantes do Sindicom e da Unica reafirmaram suas posições perante as mudanças. Acompanhe os argumentos de ambos:


 



POR QUE A MP PODE PREJUDICAR OS PRODUTORES DE ÁLCOOL?


 


Antonio de Pádua Rodrigues (Unica): O preço do álcool na origem da produção é resultado do movimento diário de oferta do produto em mais de 380 produtores, em todo o país. Em média, os estoques existentes de álcool nas unidades produtoras atendem a três meses de demanda, sendo que no final da safra os estoques podem significar seis meses de demanda, em função da sazonalidade da produção. Isso resulta em movimentos diários de preços, com vieses de alta e de baixa. A medida provisória indica um aumento de carga tributária para o produtor e este está buscando antecipar a oferta de produto antes da vigência da MP, o que está levando à queda do preço bruto, que subtraído da carga tributária mais alta, resulta em um preço líquido menor ao produtor, já que este não consegue transferir aumentos de impostos. O combustível renovável tem uma estrutura de oferta diferente do fóssil. Pela legislação atual, a tendência é que meia dúzia de distribuidoras seja compradora de mais de 80% do etanol no mercado interno. Isso leva a um desequilíbrio da relação vendedor/comprador que não permite que o mercado de futuros garanta as condições para a livre concorrência.


 



AS ALTERAÇÕES DEFINIDAS NA MP PODEM REFLETIR NO PREÇO DO ÁLCOOL?


 


Alísio Mendes Vaz (Sindicom): Apesar de a MP 413 prever alíquotas bastante elevadas, os contatos que temos mantido com a Receita Federal indicam que os valores devem ser reduzidos por decreto presidencial, de forma a não haver impacto em preços. Essa metodologia já foi aplicada ao PIS/Cofins da gasolina e do diesel (valor elevado na lei e redução por decreto). Observo que, dada a existência de muito álcool com sonegação no mercado, quando o PIS e a Cofins passarem a ser cobrados de todos, poderá ocorrer alguma elevação nos preços médios (pesquisa da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), uma vez que preço sonegado, obviamente, é menor que o preço com tributos.


 



A CONCENTRAÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO É UM FATOR DE DESEQUILÍBRIO DO MERCADO?


 


Antonio de Pádua Rodrigues (Unica): A passagem do produto por um intermediário (distribuidor) torna lenta a transferência da queda de preços ao varejista e antecipa a elevação quando há expectativa de aumento no produtor.


 


Alísio Mendes Vaz (Sindicom): Entendemos que o fato de existirem grandes distribuidoras não é um fator de desequilíbrio. Pelo contrário, todos os setores de comércio eficiente têm a participação de grandes empresas atacadistas/distribuidoras. É o trabalho permanente de negociação dos atacadistas com os produtores que permite o melhor preço ao consumidor. Aliado a esse fator, a movimentação de grandes volumes assegura maior eficiência na logística e melhor controle de qualidade. Ou seja, grandes empresas significam preço mais barato com qualidade, em qualquer setor da economia, em benefício do consumidor final.


 



AS USINAS PODEM CONSTITUIR DISTRIBUIDORAS DE COMBUSTÍVEIS PARA COMERCIALIZAR ÁLCOOL?


 


Alísio Mendes Vaz (Sindicom): Para as usinas venderem aos postos, apenas é necessária a autorização de distribuidora concedida, com mínimas exigências, pela ANP. Como as usinas já têm tancagem (muito acima dos 750 m3 exigidos), têm plataformas de carregamento de caminhões-tanque e dispõem do capital mínimo de R$ 1 milhão, não existe nenhuma dificuldade em serem distribuidoras. Trata-se apenas de um ordenamento mínimo exigido pela ANP, que não representa obstáculo ou barreira à competição. O fato de existirem mais de 240 distribuidoras autorizadas pela ANP indica que esta autorização não representa dificuldade. Observe-se que diversas usinas têm distribuidoras autorizadas pela ANP.


Mas, seria inviável a chamada "venda direta", sem as necessárias responsabilidades que distribuidoras assumem. Distribuidoras têm responsabilidades sobre a qualidade, logística de abastecimento, recolhimento de ICMS, meio ambiente e outras que não podem ser ignoradas. Quem participa do mercado de combustíveis precisa assumir integralmente seu papel, no caso o de "distribuir" álcool.


 


Antonio de Pádua Rodrigues (Unica): É viável, mas dentro da regra atual de mercado há limites. As vendas, por exemplo, só seriam possíveis aos varejistas sem bandeira (bandeira branca). Outra: por que o produtor precisaria ter outro CNPJ para fazer a distribuição? O mesmo CNPJ já dá todas as condições para o produtor ser distribuidor, sem prejudicar os controles atuais, quer sejam as estatísticas da ANP ou a rastreabilidade da qualidade do combustível.


 



A INSTALAÇÃO DO MEDIDOR DE VAZÃO NAS USINAS, CONFORME PREVÊ A MP, SERÁ SUFICIENTE PARA O CONTROLE DO PRODUTO?


 


Antonio de Pádua Rodrigues (Unica): Não há implicações para a instalação do medidor de vazão nas usinas. É só uma questão de instalar o equipamento na fase adequada, ou seja, de produção e/ou comercialização, uma vez que se realizam em períodos diferentes: a produção é realizada em seis meses e a distribuição, em 12 meses. Quanto a fiscalização, hoje se dá na produção e na distribuição. Amanhã, será apenas nos produtores. A Receita, tanto federal quanto estadual, têm interesse em fazer a fiscalização tributária de PIS/Cofins. À ANP, no entanto, cabe a fiscalização em relação à qualidade do combustível que sai das usinas, por meio de testes físico-químicos.


 


Alísio Mendes Vaz (Sindicom): Entendemos que o controle, fiscalização e punição de desvios serão facilitados. Infelizmente, o que temos observado no mercado de distribuição, nos últimos anos, é a existência de inúmeras empresas cujo compromisso com a atividade era mínimo. Distribuidoras cuja sede é uma sala alugada e o capital mínimo desaparece, sem outros ativos, e os sócios são "laranjas". Quando o fisco identifica irregularidades nessas empresas, não há como recuperar os tributos sonegados. Nas usinas a situação é bem diversa, existem ativos concretos, o endereço é bem conhecido, logo, o não pagamento de tributos representa risco efetivo para o empresário. Os medidores de vazão, certamente, ajudarão nesse controle, como já acontece no mercado de cervejas.