O biodiesel, que é um óleo produzido a partir de fontes renováveis (como soja, algodão, sebo animal, palma, mamona, óleo comestível usado etc.), é comprovadamente mais instável que o diesel mineral. Até 2010 essa característica teve pouca influência sobre a qualidade do diesel comercializado no Brasil, já que o percentual de biodiesel adicionado à mistura era bem menor (2%) do que a que se tornou obrigatória em janeiro daquele ano, de 5% (B5).

O maior problema verificado é sua degradação e a formação de borra nos tanques e filtros dos postos, e até mesmo dos veículos, que pode prejudicar o sistema de alimentação dos motores, com o entupimento dos bicos injetores, por exemplo. Essa degeneração se dá muito mais em função da suscetibilidade do B5 à umidade e a outros tipos de contaminantes, que são inerentes ao processo de armazenamento e transporte, do que por outros fatores, como adulteração intencional.

E, embora a oxidação da mistura se desenvolva por todo o processo de produção, distribuição e comercialização do biodiesel puro e da mistura B5, é na ponta da cadeia, no elo que tem o contato direto com o consumidor final, que seus efeitos aparecem. É do posto revendedor que empresas frotistas e caminhoneiros, entre outros, cobram o mau funcionamento dos motores e eventuais danos aos veículos.

O problema existe

Por conta de relatos sobre a formação de resíduos, já em julho de 2010 a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) formou grupos mistos de trabalho para analisar a questão. No dia 6 de junho deste ano, a equipe dedicada à garantia da qualidade, que foi coordenada por técnicos da agência e integrada pelo Sincopetro e outras entidades, divulgou seu relatório final. O Instituto Nacional de Tecnologia (INT), a Universidade de Brasília (UNB) e a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), assim como a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), também participaram do grupo.

O relatório apresentou uma série de propostas, entre elas a revisão das especificações do biodiesel, tanto no que se refere aos limites, quanto ao controle ao longo da cadeia de abastecimento, a criação de grupo de estudo para aprofundar questões levantadas e, ainda, no âmbito do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), a criação de uma comissão para analisar os pontos críticos relacionados à qualidade.

O Sincopetro foi além, sugerindo que, nos estudos para o aperfeiçoamento das especificações do biodiesel, a ANP levasse em conta a diversidade de matérias-primas e as diferenças climáticas do país. A entidade também solicitou à agência que a entrada no mercado de diesel com maiores teores de biodiesel fosse suspensa até a conclusão dos estudos sobre o B5.

Mais recentemente, o INT realizou o monitoramento de características físicas e químicas ao longo das cadeias de produção, distribuição, revenda e consumo de biodiesel de soja (B100) e da mistura B5 nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná. Os resultados confirmaram sua maior vulnerabilidade, quando comparado ao diesel mineral puro. O relatório reforça as sugestões contidas no relatório do grupo de trabalho da ANP, inclusive quanto à necessidade de estudos complementares e de alterações nas especificações do biodiesel, lembrando, ainda, que quanto menor o teor de enxofre (S50) e quanto maior o teor de água nas misturas (fruto da condensação do ar em contato com o produto, por resfriamento acentuado da temperatura, por exemplo), maior é a tendência de formação de sedimentos.

Frente parlamentar

Aparentemente alheias a esses problemas, as indústrias processadoras de óleo continuam pressionado o Governo na tentativa de definir um novo marco regulatório para o setor, com o lançamento do que estão chamando de fase dois do PNPB. Os produtores consideram, por exemplo, que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) poderia avaliar nova antecipação no percentual de mistura, como ocorrido em 2010, quando a mistura saltou de 2% para 5%, e cuja previsão era apenas para 2013. 

Uma das vantagens do avanço desse programa, segundo representantes do setor, seria agregar maior valor às matérias-primas, aumentando a industrialização interna e diminuindo as exportações de grãos, o que viabilizaria, tanto os investimentos da parte agrícola quanto o melhor aproveitamento da capacidade de moagem das indústrias, hoje ociosas em mais de 50%.

Assim, para incentivar a produtividade e articular as demandas dos produtores, em meados de outubro, foi criada, em Brasília (DF), a Frente Parlamentar em Defesa do Biodiesel. Sob a presidência do deputado Jerônimo Goergen (PP/RS), a iniciativa já conta com a adesão de mais de 260 deputados e senadores, que terão a tarefa de elevar a mistura de biodiesel no diesel dos atuais 5% para 10% nos próximos meses e atingir até 20% nos próximos dez anos.  Também está na pauta de reivindicações do setor a possibilidade de o Brasil, assim como hoje já acontece com a Argentina, passar a ser exportador do combustível. 

Segundo os produtores, porém, a expansão da indústria do biodiesel passa, necessariamente, pela redução da carga tributária, melhoria da qualidade em toda a cadeia, aumento da participação da agricultura familiar e diversificação das matérias-primas.

 

Melhoria da qualidade

Para Sérgio Cintra, diretor da Metalsinter, empresa líder de mercado na produção e venda de equipamentos filtrantes para óleo diesel, para o Brasil conquistar melhor condição na comercialização do biodiesel há necessidade de maior rigidez e controle em todas as etapas de produção, principalmente no tocante às especificações. Lembrando que os fabricantes de sistemas de injeção divulgaram comunicado conjunto informando que só oferecem garantia de componentes e funcionalidade do sistema com até 7% de adição de biodiesel, Cintra afirma que é um contrassenso especular percentuais maiores.

“Sabemos que o processo dos biocombustíveis é irreversível e importante para o país”, diz, “porém, tirando seus aspectos ambientais e sociais, não há benefício algum para o consumidor, motorista de caminhão. Muito pelo contrário, o custo e a manutenção são maiores”, dispara.

Na opinião de Cintra, a recém-criada frente parlamentar deve promover amplo diálogo com todo o setor, “não apenas com os mais ativos ou fortes economicamente”, e discutir abertamente se o biodiesel de hoje está cumprindo sua função social, colocando o pequeno agricultor no mercado.

Ainda sem respostas

O presidente do Sincopetro, José Alberto Paiva Gouveia, concorda que “o programa traz inúmeros benefícios ao país, tem tudo para ser um sucesso e que é um caminho sem volta”. Mas ressalva que “é preciso que as autoridades tomem os cuidados necessários”. Segundo ele, os postos estão sendo penalizados pela demora em soluções para o problema da formação de borra, pois, ao receber o carregamento, além de verificar sua aparência, não há testes para verificar, por exemplo, se a proporção diesel/biodiesel é a correta e se o produto está de acordo com as especificações da ANP.  Também estão tendo de investir na redução do tempo de troca dos filtros de diesel, para tentar garantir a qualidade do B5 para o consumidor, enquanto soluções para evitar a geração de resíduos não aparecem.

“Vivemos essa realidade desde que o B5 se tornou obrigatório e o setor ainda não tem todas as respostas para solucionar as questões de qualidade. Já alertamos que a introdução do S50 no mercado em 2012 e de misturas com maior percentual de biodiesel tem de ser antecedida por ajustes, sem o que, a imagem do programa e do Governo será desacreditada, enquanto o posto de combustíveis é que continuará sofrendo com a ira do consumidor e com as ações de fiscalização”, resume. (Por Cristiane Collich Sampaio e Denise de Almeida)