Posto de Observação - Como o senhor vê o mercado de combustíveis atualmente?
Jean-Paul Prates - O mercado brasileiro é o quinto maior do mundo, tanto em combustíveis quanto em lubrificantes. Hoje, consolidado como um escoadouro de dois importantes setores do PIB nacional (o de petróleo e gás e o agronegócio), o segmento é, sem dúvida, uma das melhores oportunidades aberta a investidores nacionais e internacionais. Atualmente nosso mercado rivaliza com outros, como os da Rússia e do Leste Europeu e também com os de países continentais, com exemplos na China e na Índia.
Uma área de negócios com esta magnitude e potencial não pode se dar ao luxo de viver mais de sete anos em crise – às voltas com questões de atuação ética dos seus atores e de credibilidade junto ao consumidor. Esta ‘crise´, a meu ver, está no seu ocaso e o que vem pela frente é um mercado depurado, alerta e promissor. Quem estiver preparado para investir e operar bem será premiado pelo consumo brasileiro de combustíveis que terá de aumentar em proporção ao ritmo da economia nacional, além das exportações que certamente crescerão (de um modo geral, como no caso dos biocombustíveis).

P.O. - Na sua opinião, o problema da adulteração e as conseqüências dele têm solução?
Prates - Este problema só ganhou proporções extraordinárias pela incapacidade que tivemos no passado, em 1998, tanto no Governo quanto no mercado, de reconhecer que o marco tributário dos combustíveis estava regulatoriamente defasado, legalmente mal assentado, e economicamente inadequado. Já tivemos oportunidades anteriores para explicar o histórico disso, desde a época da mal-conduzida transição entre FUP, PPE e Cide. Os precedentes abertos pelas contestações tributárias a essas exorbitâncias legais abriram as portas para outras contestações tributárias e regulatórias em níveis estadual e federal. A adulteração anda de braços dados com o incentivo econômico propiciado por um marco tributário mal feito. As alíquotas dos xilenos, toluenos e solventes, diluentes etc. têm de ser revistas.
O argumento de que isso afetaria a indústria de tintas é risível! Um setor gigantesco como o de combustíveis, que afeta milhares de consumidores, diretamente, em todo o país, não pode ter seu futuro “amarrado” a outro que, com todo o respeito, tem muito menor importância e potencial de ameaça ao consumidor final.
No mais, diante de um marco tributário que desestimule o interesse econômico de adulterar, é aplicar a fiscalização e as penalidades – com rigor e agilidade. Este país necessita de doses cavalares de legalidade em todos os setores e o de combustíveis não foge à regra. Chega de “leis que não pegam”, de fiscais “negociando” multas, de diferenciação entre criminosos ou infratores e de camaradagem, informalidade e indiferença entre operadores, investidores e governos. O Brasil precisa de mais dura lex sed lex e menos complacência, tolerância e permissividade.
Se a lei está errada, defasada ou rígida demais, que se apele aos nossos legisladores para que a alterem. Mas enquanto for lei, que se a aplique, doa a quem doer. É assim que funciona o maior mercado do mundo, os Estados Unidos. É assim que se constrói um grande país. Os americanos podem ter seus defeitos em termos de política externa, mas ninguém pode discordar de que, internamente, trata-se de um ambiente que propicia o investimento e premia quem trabalha e produz. Isto só é possível quando a malandragem não compensa. Um ambiente com enforcement garantido tem vários agentes trabalhando como polícias, fiscais, governos, empresas, entidades de classe, órgãos reguladores, de defesa da concorrência, de proteção ao consumidor, Ministério Público, Justiça, entre outros.
O mercado de combustíveis, que passou por uma crise tão brava, deve, a meu ver, servir de exemplo para todos os outros setores, para mostrar que é possível ganhar dinheiro trabalhando e vendendo de forma correta.
De toda forma, acho que o mercado está, sim, se depurando. Apesar das restrições orçamentárias, a ANP conseguiu cravar o índice mais baixo de não-conformidade no diesel e no álcool desde 2001. Houve a cassação de 60 distribuidoras e de 1,2 mil postos revendedores em 2005/06 e a redução das importações de solvente da Bolívia, além de estar ocorrendo maior rigor na concessão de novos registros. É o fim da tal “crise de credibilidade” do setor, a pleno andamento. Isso é bastante positivo para o segmento e para seus investidores.

P.O - A tradicional revenda de combustíveis vem sofrendo bastante com a concorrência dos hiper e supermercados que praticam preços menores e contam com a vantagem do crédito do ICMS em seus outros produtos. Uma sugestão para minimizar o problema foi a proposta da inscrição estadual diferenciada, no caso de São Paulo. O senhor acredita que essa medida poderá equiparar as condições dos postos de rua e os localizados na área dos hipermercados?
Prates - Eu particularmente sou contra esta coisa de se permitir a venda de combustíveis em supermercados. Há preocupações de natureza especialmente ligada à segurança. Grandes centros comerciais sempre possuem um alto grau de circulação de pedestres, um grande número de veículos estacionados (na maior parte das vezes de forma confinada a um alambrado ou cercado com apenas uma saída). Não é lugar para se vender combustível, e a vantagem logística para o consumidor é quase nenhuma. Só o preço (por artificialismos tributários) compensa, e isto não é alentador.
Para mim é um contra-senso as prefeituras e outras autoridades regulatórias exigirem inúmeros quesitos de segurança para aprovar um posto de rua e, ao mesmo tempo, permitirem bombas e tanques instalados em áreas de estacionamento e de circulação em massa. Agora vem ainda a questão da diferenciação tributária quanto às compensações, créditos intermercadológicos etc. Isso nem é tão problemático assim, e até poderá se resolver com a medida que mencionada na pergunta. Mas essa desigualdade de tratamento (que resulta numa desigualdade econômica incompatível com a atividade do distribuidor de combustíveis puro) ameaça, sim, o setor e, do ponto de vista do consumidor final, somente representa um ilusório ganho que certamente não se sustenta em longo prazo.
Isso está provado pelas experiências semelhantes que ocorreram mundo afora. Eu acho que o que tem de ser discutido não é a questão tributária apenas, mas se conceitualmente faz sentido ter essa alternativa permitida – e, no meu entendimento, desnecessária. É como a discussão das bombas automáticas (self-service): a distribuição reconheceu que, independentemente do ganho que poderia vir a ter, isso afetaria desnecessariamente o mercado de trabalho – portanto, abriu mão desta e o legislador tornou regra para todos, em benefício de todos, a despeito de um potencial prejuízo para os que tinham planos de implementar tal modalidade. E o consumidor também compreendeu que o seu ganho seria ínfimo em comparação com os incômodos operacionais.
No caso dos supermercados, acho que eles deveriam resignar-se de uma vez e procurar vender suas outras coisas. Cada macaco no seu galho. Há coisas que não se pode misturar e não apenas por razões tributárias.

P.O - O ano de 2005 foi atípico para o álcool e, conseqüentemente, para os consumidores de carro a álcool. Os preços subiram expressivamente e nem mesmo o Governo conseguiu frear os usineiros. O senhor teria uma “fórmula mágica” para fazer com que o mercado de álcool voltasse a funcionar com preços reais?
Prates - Não existe isso de “fórmula mágica” para o álcool, como também nunca existirá, apesar da auto-suficiência em petróleo, nenhuma fórmula nacional de precificar o petróleo. A partir do momento em que se isola uma commodity de liquidez internacional do seu ambiente global começa uma política isolacionista, que tende a repelir o investimento (tanto nacional quanto estrangeiro), artificializar os resultados econômicos e, sobretudo, politizar o setor. É certo que o álcool é produzido no Brasil, mas também é produzido e demandado (cada vez mais) em outros lugares do mundo. Portanto, quem investe numa usina e na sua respectiva logística de escoamento da produção vai procurar sempre a melhor opção econômica de mercado (aquela que alia melhor preço a regularidade e confiabilidade).
Proibir as exportações, criar um “preço nacional” (o que equivaleria a um tabelamento) ou impor artificialismos político-demagógicos à cadeia do álcool somente lhe trariam a derrocada no médio e longo prazo, tanto no mercado interno quanto em termos de competitividade internacional. E o Brasil não pode se dar ao luxo de perder mais este trem da sua história econômica: o de potencial líder do mercado mundial de biocombustíveis.
O advento do carro flex não se compara ao do carro a álcool, em termos de flexibilidade para o consumidor. Antes, a decisão crucial era a que se tomava na concessionária de automóveis, ao adquirir o veículo. Agora, bem mais tranqüila, é a decisão de escolher que combustível utilizar na hora de abastecer. Portanto, ao adquirir o carro flex, o motorista está adquirindo a oportunidade de poder escolher o combustível que estiver mais em conta na hora e local em que ele precisar abastecer. Não entendo ter havido “prejuízo” para quem comprou veículos flex, por ocasião da entressafra do álcool. O que vai acontecer é que no país, haverá períodos e regiões onde a gasolina será mais vantajosa e vice-versa. E para estar neste jogo, com esta possibilidade de escolher, o carro bicombustível é essencial ao consumidor.
É importante notar também que este é um mercado completamente desprovido de estatísticas minimamente consistentes, o que dificulta qualquer planejamento estratégico ou regulatório. As recentes portarias da ANP permitirão maior controle sobre as usinas de álcool e, acima de tudo, que se tenha uma idéia bem precisa dos volumes comercializados e das capacidades operacionais existentes e planejadas. Esse tipo de informação, devidamente sistematizada, pode ajudar a se pensar em ações que diminuam a volatilidade de preços, mas controle ou tabelamento, não.

P.O - Com a investida dos pontos de abastecimento (PA), das Centrais Avançadas de Inspeção e Serviços (Cais), postos-escolas, entre outros, a revenda se queixa do avanço das distribuidoras (verticalização) sobre o seu mercado. Na sua opinião, a criação desses meios é uma maneira velada de operar postos?
Prates - É sim. Qualquer que seja a justificativa técnica ou logística utilizada, trata-se, sim, de formas de “capturar a margem do revendedor” ou, em outros casos, de substituí-lo diretamente. Isso é uma tentação constante e até compreensível, de parte das empresas distribuidoras. Quem quer ficar parado na cadeia? Ninguém. Onde ela puder expandir sua atividade, tentará fazê-lo – engenhosamente criando vantagens (teóricas, provisórias ou não) para o consumidor, e tentando apropriar-se, em parte ou no todo, do papel e da margem do elo subseqüente, a revenda.
Ocorre, no entanto, que do outro lado há uma categoria de empresários e não um sindicato ou uma malta de desavisados. Esse processo de discussão requer muita conversa, lobbies legítimos (de ambas as partes) e, no final, soluções consensuais que garantam a continuidade e a rentabilidade geral de todos. Uma coisa é certa: há mercado e potencial ainda maior para todos os que forem bons operadores, em cada um dos segmentos. Protecionismo é algo para ser usado apenas em última instância – em casos de desenvolvimento precoce de uma nova atividade (como o biodiesel, por exemplo). No mais, a criatividade comercial e a busca do maior conforto e do melhor preço final para o consumidor é que devem ser premiadas. E, a cada revés de uma categoria no embate saudável com a outra, deve corresponder uma compensação regulatória de igual teor. Portanto, se a distribuição puder passar, especificamente em casos concretos, a vender ao consumidor final por meio de PAs, Cais ou postos próprios, o que é que nos impede de também colocar em discussão, em casos específicos, as compras diretas por parte de redes de postos junto a refinarias e usinas? Tudo é uma questão de bom senso regulatório, econômico e, sobretudo, operacional. (EP)

“A adulteração anda de braços dados com o incentivo econômico propiciado por um marco regulatório
mal feito.”

“É um contra-senso as autoridades regulatórias exigirem inúmeros quesitos de segurança para aprovar um posto de rua e, ao mesmo tempo, permitirem bombas e tanques instalados em áreas de estacionamento e circulação em massa.”

“Qualquer que seja a justificativa ou logística utilizada (para PAs, Cais e postos-escola), trata-se, sim, de formas de ‘capturar a margem do revendedor’ ou, em outros casos, de substituí-lo diretamente.”