por Cristiane Collich Sampaio


 



Há pouco mais de um ano, o engenheiro elétrico, professor e pesquisador Allan Kardec Duailibe Filho integra a diretoria da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), onde passou a responder, especialmente, pelo setor de abastecimento.


Aqui, ele fala sobre o mercado de etanol, abordando as modificações já introduzidas na tributação, e prevê a modernização da legislação, bem como de seus mecanismos de controle. Captação de informações detalhadas sobre a movimentação de produtos de todas as empresas envolvidas, criação de novos agentes e da figura de um regulador único do mercado de etanol encontram-se entre as questões que estão em debate nos órgãos do poder público e nas entidades dos segmentos envolvidos.


 


Posto de Observação – Quais as repercussões da Lei 11 727/2008 sobre o controle tributário do álcool?


Allan Kardec Duailibe Filho – A Lei 11 727/08 trata do PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre o etanol combustível, tributos fiscalizados pelas secretarias estaduais de Fazenda e pela Secretaria da Receita Federal (SRF). No que diz respeito a ANP, podemos ressaltar que essa lei traz dispositivo (artigo 13) que prevê a obrigatoriedade de instalação, pelos produtores de etanol combustível, de equipamentos de controle de produção nos termos, condições e prazos estabelecidos pela SRF. Certamente teremos ganhos de eficácia no controle da movimentação de etanol, com a consequente diminuição do suposto volume que escapa dos mecanismos de controle e fiscalização, quando forem instalados medidores de vazão em todo o território nacional.

P.O. – A que tipo de sanções os sonegadores estão sujeitos?
Allan Kardec – Essas sanções são de competência das secretarias estaduais de Fazenda e da SRF. As distribuidoras podem ter sua autorização para o exercício da atividade revogada pela ANP, caso não estejam em dia perante o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf), que informa a situação de adimplência ou inadimplência do agente econômico quanto ao recolhimento de obrigações para a União, os estados e municípios.

P.O. – Os preços predatórios do álcool continuam figurando nos relatórios públicos da ANP, como se fizessem parte do mercado formal, empurrando a média de preços para baixo. O que a ANP pretende com essa prática?
Allan Kardec – A ANP divulga em seu site um levantamento semanal dos preços da gasolina, etanol hidratado, diesel, GNV e GLP praticados pelos agentes de mercado. O objetivo desse levantamento é permitir que o consumidor tome conhecimento dos preços cobrados em revendas de 555 localidades brasileiras e faça a melhor opção de compra. As pesquisas de preços também orientam a ANP na identificação de indícios de infrações à ordem econômica, que são comunicados ao Cade e à SDE, órgãos do Ministério da Justiça responsáveis pela instauração e instrução dos processos e pela aplicação das penalidades previstas para esses tipos de infrações.

P.O. – As atuais atribuições da agência lhe conferem o direito de fiscalizar a regularidade fiscal dos agentes?
Allan Kardec – Essa atribuição é típica dos órgãos fazendários. A agência tem convênios celebrados com as secretarias de Fazenda da Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo, para a troca constante de informações, entre outros objetivos, tornando mais eficazes as ações de fiscalização conjuntas ou de competência de cada uma das partes.

P.O. – Se “barriga de aluguel” é um esquema bem conhecido no meio e a ANP possui os dados cadastrais das distribuidoras em operação no país e o volume médio de compra e de venda dessas empresas, o que a impede de flagrar as práticas irregulares desses agentes?
Allan Kardec – A ANP está empenhada no combate às irregularidades no setor de combustíveis. Este ano, até o final do mês de novembro, foram realizadas cerca de 24 mil ações de fiscalização pela agência, que geraram cerca de seis mil autuações, das quais mais de mil resultaram em interdição. Somente no exercício de 2009 foram revogadas pela ANP 45 autorizações de distribuidoras por não cumprimentos dos regulamentos da agência.


P.O. – Hoje o controle da cadeia de produção e comercialização do etanol é dividido entre o Ministério da Agricultura e o Ministério de Minas e Energia (MME)/ANP. Como se processa esse controle?
Allan Kardec – O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento publica em seu sítio as estatísticas de produção de cana-de-açúcar, açúcar e etanol e, recentemente, editou a Instrução Normativa nº 52/09, regulamentando o Sistema de Acompanhamento da Produção Canavieira (SAPCana).  A ANP, por sua vez, recebe e disponibiliza, após tratamento estatístico, informações sobre a venda de etanol combustível pelas unidades produtoras a distribuidoras e sobre as vendas dessas últimas ao mercado de revenda e ao consumidor final. A visão integrada de toda a cadeia, com dados de produção e de comercialização, é possível em virtude da ótima parceria existente entre a ANP e o Ministério da Agricultura, permitindo a verificação das quantidades de produtos ofertados e comercializados pelo setor sucro-energético.


P.O. – Há alguma possibilidade de a responsabilidade pelo controle e pela fiscalização da cadeia do etanol vir a se concentrar exclusivamente no MME/ANP?
Allan Kardec – No seminário realizado recentemente pela ANP em Búzios (RJ), com a participação de representantes do mercado de combustíveis, entre eles o Sincopetro, houve o entendimento de que seria positiva para o mercado a definição de um regulador único para o etanol e que esse papel poderia ser desempenhado pela ANP. No entanto, gostaria de frisar que a rediscussão dos papéis dos agentes e dos órgãos do poder público é objeto de exame pelo Executivo e pelo Legislativo, sendo prematuras conjecturas sobre o que caberá a cada instituição envolvida com o setor, em especial ao MME e a ANP.


P.O. – Atualmente a ANP participa de algum fórum, destinado a colocar um fim na sonegação e em outras práticas irregulares envolvendo o etanol?


Allan Kardec – A questão da sonegação foi um dos temas debatidos no seminário da ANP e a existência de um regulador único para o mercado de etanol poderia contribuir para reduzir o problema. A agência não tem conhecimento de fórum específico, não se negando, em absoluto, a participar, caso venha a ser instituído. Independentemente disso, ela vem adotando medidas que visam à regularidade da comercialização, distribuição e revenda de etanol combustível. Além dos mecanismos já implantados, a exemplo da obrigatoriedade de adição de corante ao etanol anidro e do programa de monitoramento, a agência está finalizando as discussões sobre convênio com o Confaz e a SRF para ter acesso a dados da nota fiscal eletrônica (NF-e) e, assim, aperfeiçoar o seu desempenho no acompanhamento e na fiscalização do mercado de combustíveis.

P.O. – O que traz a nova minuta de resolução da ANP sobre o etanol combustível? A criação de estoques reguladores foi contemplada?
Allan Kardec – A nova norma, amplamente discutida com os segmentos envolvidos, substituirá a Resolução nº 5/06. Traz, como principal dispositivo, a inserção no mercado de dois novos agentes econômicos. O primeiro é a empresa comercializadora de etanol, que é pessoa jurídica controlada direta ou indiretamente por dois ou mais produtores ou cooperativas de produtores de etanol. O segundo é o agente operador de etanol, pessoa jurídica que atua em bolsa de mercadorias e futuros na condição de cliente de etanol. Além disso, define a figura do fornecedor como sendo o produtor com unidade fabril instalada no território nacional, cooperativa de produtores e empresa comercializadora, que possuam código de cadastramento no Ministério da Agricultura, agente operador e importador de etanol, não podendo ser agente econômico que exerça outra atividade regulada pela ANP. Entre outros efeitos para o mercado, os novos agentes certamente contribuirão para atenuar a questão do carregamento dos estoques de etanol.