por Denise de Almeida


 



Nos últimos meses, o mercado sucroalcooleiro tem passado por um intenso processo de fusões e aquisições. Com a crise do setor e a posterior crise econômica mundial no ano passado, diversas empresas se defrontaram com efeitos negativos, motivados, principalmente, pela escassez de crédito e baixo preço remunerado ao produto.


Por outro lado, o reconhecimento do etanol pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos como um combustível avançado pode representar a abertura do mercado global para o produto brasileiro.


Para Antonio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) – entidade que representa os principais produtores de açúcar e etanol de São Paulo e região centro-sul do país, os quais respondem por 60% da produção brasileira de etanol –, essa credibilidade dá forças para a luta pelo fim da tarifação ao combustível, mas esse é apenas o início de uma batalha. O combustível ainda tem um longo caminho a percorrer até ficar competitivo no mercado internacional. Acompanhe!


 


PO – O etanol acaba de atingir um novo patamar no cenário da matriz energética mundial. Em que medida o reconhecimento pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) americana vai contribuir para o mercado dos combustíveis no Brasil?


Pádua – Essa decisão leva em consideração os benefícios do etanol de cana e reafirma que, como combustível avançado, renovável e de baixo carbono, pode ajudar a mitigar a questão dos efeitos do aquecimento global.


Vai auxiliar também a diversificar a matriz energética dos EUA. Hoje, há três categorias: etanol extraído do milho, o avançado (que é o de cana) e o celulósico (palha, capim). Considerando que o combustível fóssil, polui 100%, o de milho corresponde a menos 20%, portanto, não é de baixo carbono, o avançado, que é o de cana, corresponde a menos 61%, e o celulósico, atinge os 70%.


Assim, se hoje o etanol já se encontra nessa classificação, com o investimento em novas tecnologias (previsto para 2012 a 2015) para o uso da palha da cana e fibra do bagaço da cana, o etanol, certamente, vai contribuir ainda mais para diminuir os efeitos do aquecimento global.


 


PO – O que os revendedores de combustíveis brasileiros podem esperar dessa nova fase do etanol?


Pádua – No Brasil, a questão que fica por enquanto é que o etanol está hoje preso à eficiência energética e de custo, ligados ao aspecto da saúde e econômica. O mercado ainda não externalizou o etanol.


Ou seja, há o benefício e o reconhecimento americano, e o Brasil e o mercado vão ter que precificar o produto. O que, certamente, ira aumentar a demanda. Com essa valorização, o mercado tende a crescer.


Mas, como vamos valorizar ou precificar o etanol é o mercado quem vai resolver. Imaginamos que, ou será por tributação diferenciada entre combustível fóssil e renovável, já que, do ponto de vista ambiental, o processo de produção já foi melhorado, mas não houve ainda a contrapartida, ou por uma política tributária mais agressiva no combustível fóssil e menor no renovável, como já acontece hoje em São Paulo, cuja tributação é de 25% para o fóssil e 12% no renovável.


 


PO – Qual o impacto imediato da medida? E em longo prazo?


Pádua – É positivo. A notícia é boa! Pode ajudar a quebrar a resistência e a disseminar a comoditie etanol, já que é a alternativa mais concreta, renovável e economicamente viável para substituir o petróleo hoje.


 


PO – Há algum risco de o Brasil ficar desabastecido do combustível, já que, a exemplo do que ocorre hoje, há ocasiões em que os produtores preferem exportar açúcar em detrimento de manter o etanol como combustível em nosso mercado?


Pádua – Não. Por mais que tenha abertura de mercado crescente, menor para o anidro, mas com potencial de etanol hidratado bem maior e mais rápido, se tivermos preço que remunere a atividade, isso não ocorrerá.


 


PO – Mas, o histórico...


Pádua – Justamente. Houve momentos em que não tínhamos preço. Com produto abaixo da rentabilidade é evidente que os produtores vão migrar. Isso ocorre por conta de desequilíbrio, pela falta de condições de atuar em um mercado com mais sustentabilidade para o produtor.


 


PO – Então depende da política de preços do governo?


Pádua – Apesar de concorrer com um combustível fóssil, as regras para o etanol são diferentes. Ele é um produto agrícola e não é monopólio de um fornecedor exclusivo, como é o caso da gasolina, por exemplo.


Precisamos ter uma política pública que leve em conta a questão da externalidade do etanol. Mas não só isso: temos que ter possibilidade de financiamento para estocagem de produto em momento de safra ou super safra e maior equilíbrio entre oferta e demanda.


 


PO – O que falta para o etanol entrar no mercado americano? E na União Européia?


Pádua – O reconhecimento do etanol como um produto com vantagens ambientais pela EPA (Agência de Proteção Ambiental) americana foi o início de uma batalha. Ganhamos o primeiro round! Essa credibilidade dá forças para a luta pelo fim da tarifação ao combustível. Trabalhamos hoje para que o tributo não seja renovado em 2011.


Sabemos que o mercado americano é limitado hoje ao milho. Ou seja, de uma forma ou de outra, o mercado vai acabar precificando o etanol e vai dar-lhe condições de competição com outros combustíveis lá fora.


 


PO – Acredita que se não houvesse ocorrido a crise mundial o etanol teria alcançado esse patamar tão rapidamente? Foi aí que as fusões ganharam força ou a concentração de mercado é uma tendência também desse setor?


Pádua – Na verdade, o mercado do etanol vinha de duas supersafras, com boas exportações e, graças à intensa demanda, de um período de grandes investimentos (com 38 novos projetos em 2008 e 21 em 2009), mas com baixos preços remuneradores ao produto.


A crise econômica mundial, que praticamente acabou com o crédito na economia, gerou, de fato, efeitos negativos. Com isso, grandes grupos de empresas não tinham como sair da crise se não se associassem a outras. Obviamente não todas. Há fusões de empresas geradas, por exemplo, pelo interesse em investir no Brasil, como é o caso da Shell (que participa de uma fusão com a Cosan) que viu a oportunidade da produção e abertura de mercado externo do etanol.


A Shell quer diferentes produtos com relevância no aspecto ambiental e vem investindo fortemente par fazer etanol de segunda geração, e, qual é o país que tem condições climáticas, sociais e de produto para que ela faça isso? Só o Brasil.


 


PO – Aliás, a fusão Shell/Cosan foi a oportunidade para a Cosan passar a exportar mais etanol, via o canal de distribuição da empresa anglo-holandesa. Em sua visão, a contrapartida para a Shell é benéfica para o país?


Pádua – É benéfica para o país na medida em que, com a vinda da Shell, o etanol brasileiro ganha força para se tornar comoditie mundial e superar os obstáculos que ainda atrapalham o seu crescimento em mercados protecionistas.


 


PO – A ETH acaba de comprar a Brenco criando uma das maiores produtoras de etanol do mundo. O que isso significa para o país e para o mundo?


Pádua – É mais um passo importante no sentido da consolidação do setor sucroenergético brasileiro, tendência que deve continuar a trazer ganhos de escala e eficiência para o setor e o consumidor brasileiro. As duas nasceram com propostas de envolvimento amplo e bastante positivo com as comunidades no entorno de suas usinas, todas elas localizadas nas fronteiras de expansão do setor, no oeste paulista e no centro-oeste do país. Essa característica, comum às duas empresas, é muito importante para as comunidades próximas às usinas, e certamente será mantida.


 


PO – A Petrobras também planeja comprar usinas para aumentar a produção de etanol. Como a UNICA vê sua participação neste mercado?


Pádua – Há quatro anos a Petrobras fala isso, mas, de fato, não há nada concreto. Ela não pode ficar só no combustível fóssil, ficar fora do jogo, como, aliás, não ficou do biodiesel. Acredito que não vai demorar para vê-la como parceira ou retomando seus projetos.