por  Cristiane Collich Sampaio



 


“Um ano depois de denunciar o alto índice de adulteração de combustíveis na Grande São Paulo, resolvemos fazer um balanço do mercado e, para nossa surpresa, houve aumento em algumas regiões”, declara César Tralli, jornalista da TV Globo responsável pelas reportagens.


Em meados de maio de 2007, Tralli e a equipe da emissora desenvolveram investigação para apurar o que se passava no setor, comprovando as denúncias que, há vários anos, vinham sendo sistematicamente feitas pelo sindicato da revenda paulista (Sincopetro). Naquele período, o percentual de adulteração era de 20%, conforme mostravam os dados da pesquisa de qualidade dos combustíveis, efetuada desde 2004 pelo Sincopetro, em parceria com a Rádio Bandeirantes.


O alarde causado pelas reportagens precipitou a adoção de uma série de medidas que já vinham sendo estudadas pelos órgãos de fiscalização e a formação de uma força-tarefa envolvendo diversas instituições do estado, do município e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Como resultado, só na capital foram fechados 174 postos, com lacres e blocos de concreto impedindo o acesso às bombas de abastecimento, e os índice de adulteração caíram para 8% nos meses subseqüentes.


Porém, tudo leva a crer que o combate aos fraudadores não foi suficiente, pois em junho passado o índice de não conformidade chegou a 27%.


 


Máfia volta a dar as cartas


O repórter diz que depois do boom de autuações, efetuadas pela força-tarefa em 2007, os órgãos voltaram a adotar os procedimentos de fiscalização padrão.


E, diante de uma atuação previsível dos órgãos de controle, os atores desse mercado clandestino são mestres em criatividade. Ele explica que geralmente os postos que vendem produto adulterado possuem ao menos uma bomba que fornece gasolina boa e que, “quando a fiscalização da ANP chega, é essa a gasolina que vai para a proveta de teste”.


Consciente da manobra, a equipe da Globo, montou um esquema para desmascarar a malandragem. A reportagem, que foi ao ar no Jornal Nacional do dia 23 de junho, exibiu a coleta de combustíveis em três postos, na qual foi usado um veículo adaptado, que direcionava o combustível recebido para um galão de teste, instalado dentro do carro, para não despertar suspeitas. Entretanto, conforme declaração de César Tralli, durante três semanas de gravações, foram visitados 20 postos e em 19 a gasolina estava fora dos padrões admitidos pela ANP. Todos esses estabelecimentos estão instalados na zona Leste da capital e no município de Guarulhos, uma região que, segundo consta, é recordista nesse tipo de fraude: quatro em cada dez vendem gasolina com mais álcool do que os 26% permitidos por lei e ainda misturam solventes ao produto. Num dos postos exibidos na matéria a análise feita pelo técnico do sindicato detectou que a gasolina tinha 56% de álcool e 3,18% de benzeno, uma substância tóxica, cujo limite permitido é 1%.
A ANP se queixa da falta de fiscais – são somente 10 para fiscalizar os combustíveis no estado – e, segundo o jornalista, “ao perceber as falhas da fiscalização, os fraudadores deitam e rolam”. Ele adverte que além da adulteração em si, há todo um sistema montado no setor, que envolve corrupção e crime organizado: “com esse esquema, se ganha dinheiro fácil e com menores represálias do que em outras atividades ilícitas.”


“Nós achamos que a legislação precisa endurecer mais. Alguém que adultera combustível, não pode continuar no mercado, trabalhando normalmente”, declarou Alcides Araújo, coordenador do escritório da ANP em São Paulo (SP), na entrevista. A legislação da agência, como diversas vezes denunciado na revista Posto de Observação, é muito branda, impedindo sanções de efeito duradouro e eficaz. Há anos projetos tramitam no Congresso Nacional para dar mais liberdade de ação e poder a ANP nesse campo, porém ainda estão longe da fase de votação.


É por esse motivo que a edição de leis mais rigorosas, tanto no âmbito do estado – como a de São Paulo, que cassa a inscrição estadual de postos adulteradores e que determina o perdimento dos produtos fraudados – e municipais – a exemplo da que cassa o alvará de funcionamento na capital –, acompanhadas de ostensiva fiscalização, são essenciais à saúde desse mercado, conforme salienta o presidente do Sincopetro, José Alberto Paiva Gouveia. “A entidade vem lutando por isso faz muito tempo”, ressalta.


Também em junho a ANP renovou seu convênio de fiscalização com a prefeitura da capital (veja mais nesta seção), o que deve ter boas repercussões sobre o saneamento do setor.


 


Ver para crer


 


Apesar de considerar a situação atual lastimável, o jornalista revela otimismo quanto ao futuro. “Desta vez há algo diferente, pois percebi o esforço do Ministério Público em ir atrás desse pessoal, enquadrando os adulteradores criminalmente, acionando-os por estelionato, com bloqueio de bens e contas etc.”, revela. Ações dessa natureza certamente contribuem para inibir as fraudes, já que mexem no bolso dos bandidos e prevêem a prisão dos envolvidos.


Mas, em breve, a investigação deve ter um novo capítulo. Tralli e a equipe da Globo se propõem a investir nas fontes do problema e mapear o mercado atacadista: as distribuidoras clandestinas e produtores de solventes e álcool, que fornecem os produtos batizados aos postos. “Ninguém esconde caminhão-tanque no bolso do paletó. Mas os fiscais não vêem essa frota, pois há corrupção nesse meio”, diz.

E não se preocupa pelo fato da revista antecipar essa notícia, pois acredita que independentemente disso os fatos serão apurados: “Eles podem ir se preparando.”