por Cristiane Collich Sampaio

Nos dias 7, 8 e 9 de novembro, no Hotel Sofitel Ibirapuera, em São Paulo (SP), foi realizado seminário sobre o tema Mercado de distribuição de combustíveis: questões jurídicas atuais. Promovido pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESPM) e pela Escola Paulista da Magistratura (EPM), com apoio da Associação Paulista do Ministério Público (APMP), da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) e do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), o evento contou com a presença de mais de 20 palestrantes e foi especialmente direcionado aos membros do Ministério Público da União e do estado de são Paulo, dos ministérios públicos estaduais e a magistrados. Seu objetivo foi o de compartilhar informações sobre as fraudes – notadamente de adulteração de combustíveis e de sonegação fiscal – e sobre a evolução da interpretação dos fatos nesses casos, visando a atualização dos membros do Judiciário e a criação de entendimentos comuns.

Ao lado de promotores públicos, advogados e juristas, estiveram presentes integrantes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), da Sefaz-SP, da Secretaria de Segurança Pública e do Instituto de Pesos e Medidas do estado (Ipem-SP), além de representantes de órgãos de fiscalização do município e de entidades do setor.

O presidente executivo do Sindicom, Alísio Vaz, elogiou a iniciativa, uma vez que, a seu ver, “a ação coordenada permite o combate mais eficaz das fraudes, pois cada órgão tem seus limites de atuação e, agindo em conjunto, o processo se torna mais célere”. Como exemplo da ausência de entendimento consolidado sobre as fraudes, Alísio citou as liminares dadas pelo Judiciário para que agentes continuem em atividade, em casos em que a Fazenda paulista (Sefaz-SP) cassa a inscrição estadual da empresa, por adulteração de produtos, o que enfraquece a ação punitiva e, com isso, o saneamento do mercado.

“Na questão tributária, especialmente, a legislação é complacente, oferecendo facilidades para o contribuinte em atraso com o pagamento de tributos, com prazos e ritos estabelecidos em lei, que permitem que ele cause grandes danos ao mercado, antes que sua inscrição estadual seja cassada e sua ação cerceada, diferentemente do que ocorre com a sonegação”, informa.

Há empresários inescrupulosos que se especializaram em atuar nessa área, que o presidente do Sindicom chamou de “cinzenta”: por meio de um “laranja” a empresa trabalha por pouco mais de um ano, sem pagar impostos, e, depois, desaparece do mercado, ressurgindo, posteriormente, com outra marca, em nome de um novo “testa de ferro”. “É mais seguro (para os fraudadores) operar assim do que na ilegalidade”, declara.

Medidas criativas

Para ele, a Sefaz-SP mostrou sua criatividade no combate a esse tipo de irregularidade. As produtoras de etanol e as distribuidoras foram classificadas em credenciadas, que são as que estão em dia com o Tesouro estadual, e não credenciadas, as que estão em atraso. As primeiras têm o benefício de poder quitar os impostos – ICMS – gerados por suas vendas de uma única vez, ao final de cada mês; as demais têm de pagar, pelo menos, 70% da carga tributária a cada nota fiscal emitida.

Sidney Sanchez de Simone, diretor-adjunto da diretoria Executiva de Administração Tributária (Deat), da Sefaz-SP, um dos palestrantes, explica que com a arrecadação dos tributos referentes à cadeia de comercialização dos combustíveis fósseis no produtor, no caso, as refinarias da Petrobras, quase não existem mais problemas nesse campo. No etanol hidratado, porém, a sistemática é diferente. “Até 2008, 2009, havia muita inadimplência nesse segmento, integrado por algo entre 160 e 170 usinas instaladas no estado. Com a exigência de credenciamento na Sefaz-SP desses agentes e de distribuidoras que comercializavam esse produto, com apresentação de garantias, de lastro financeiro, a sonegação teve grande queda”, revela. “O credenciamento trouxe a concorrência leal para o mercado”, salienta.

No evento, ele relatou outras iniciativas do governo do estado para reduzir o nível de irregularidades nos últimos anos. Além das já citadas, legislações mais severas, como a que cassa a inscrição estadual de adulteradores, e o programa De olho na bomba, que congrega diversas instituições nas operações de fiscalização, têm contribuído para o aumento da arrecadação no setor e pela redução da adulteração. “Desde 2005, 903 postos tiveram sua inscrição estadual cassada no estado”, divulga Sidney Sanchez. Segundo ele, atualmente São Paulo possui 8,3 mil postos ativos.

À disposição

“Hoje, a qualidade dos combustíveis é bem melhor do que era em 2004 e 2005, quando o índice de não conformidade chegava a 38%. Atualmente, das amostras coletadas, apenas 5% apresentam algum tipo de problema”, revelou. Todavia, apesar desses resultados, ele diz que ainda há muito por fazer para que esses níveis atinjam patamares ideais.

Segundo o diretor da Deat, o setor de combustíveis é “um dos pilares da arrecadação de São Paulo, representando algo entre 10% e 11% do total. Qualquer desvio representa milhões. Por isso o setor recebe toda a atenção técnica e política do governo”.

Para acabar com a vantagem econômica representada pela carga tributária do solvente, que era inferior a da gasolina e que, por isso, estimulava a adulteração, a alíquota de ICMS incidente sobre esse produto passou de 17% para 25%.

No seminário, Sidney Sanchez disse que a instituição está à disposição do Judiciário e fez um apelo: informou que a Sefaz-SP está preparada para apresentar, num prazo de até 72 horas, todos os dados necessários sobre o setor, de forma a contribuir para que sejam tomadas decisões sobre bases sólidas, em benefício da sociedade.

As manobras, que são largamente conhecidas pelas instituições que fiscalizam o setor, devem ser informadas aos promotores e magistrados. “O promotor precisa estar atento a esse mercado, no qual fraudes são dissimuladas por trás da fachada de empresas aparentemente sérias e evolvem grandes somas de dinheiro desviado dos cofres públicos”, explica Alísio.

Ministério Público tem a palavra

Ainda que o conhecimento sobre o tema precise ser mais disseminado dento da Justiça, fato é que dentro do Ministério Público, tanto estadual (MPE) quanto federal (MPF) de São Paulo, núcleos já trabalham sobre essas fraudes há vários anos.

O promotor de Justiça Luiz Alberto Segalla Bevilacqua, do Ministério Público de São Paulo, que coordena um desses grupos, tem uma ideia clara do que deve ser feito na esfera judicial. “Deveríamos divulgar mais as questões técnicas da adulteração a promotores e procuradores, com forças-tarefas entre o MPE e o MPF, no combate à sonegação dos tributos estaduais e federais. Da mesma forma, toda ação penal movida deveria vir acompanhada de uma ação civil pública movida pelos promotores de Justiça de defesa do consumidor. Na investigação criminal, não deve o MP se satisfazer apenas em processar o dono do posto, mas deve investigar toda a cadeia de distribuição, corretagem, estocagem etc., incluindo todos na ação penal, pois é quase impossível a rede de adulteração não se caracterizar como quadrilha, na forma de organização criminosa”, resume.

Também Jefferson Aparecido Dias, procurador da República do Ministério Público Federal de São Paulo, baseado em Marília, argumenta ser “imprescindível que ocorra uma atuação integrada entre os vários órgãos de combate à adulteração e demais fraudes no setor de combustíveis”. Ele está empenhado em recriar o grupo de combate à adulteração de combustíveis dentro do Ministério Público Federal, com o novo objetivo de atuar no combate das fraudes no setor, em especial a sonegação de tributos federais. Como Bevilacqua, ele avalia que, na maioria das vezes, “a adulteração de combustíveis decorre da atuação de organizações criminosas e, para combatê-las, a legislação prevê a possibilidade de interceptações telefônicas, busca e apreensão, ação controlada etc.”.
Porém, segundo Jefferson Dias, a lei que trata da adulteração (Lei nº 8.176/91) “é totalmente ineficiente nesse caso, já que foi criada para punir quem adaptava irregularmente seus veículos para rodarem com gás de cozinha, e precisaria ser aperfeiçoada”. Além disso, a seu ver, seria importante desenvolver a fiscalização e, mais ainda, os mecanismos de repressão, com multas mais adequadas, procedimentos administrativos mais rápidos etc.

Crimes acumulados

Há diversos instrumentos legais para punir a adulteração, os quais são independentes. Na seara administrativa, há as multas da ANP e do Procon. Na esfera civil, as ações civis públicas, movidas para a proteção do consumidor por parte do Ministério Público e, na área criminal, ações penais imputando delitos de formação quadrilha, falsidade documental, adulteração de combustíveis, lavagem de dinheiro, etc. aumentando, portanto, a resposta penal contra os adulteradores, destaca Luiz Bevilacqua.

Para o promotor de Justiça, há fatores legais que contribuem para a prática da adulteração, como o fato de a legislação penal ser muito branda, prevendo penas de 1 a 5 anos de detenção. Segundo ele, no entanto, nesses casos, “as ações penais no estado de São Paulo vêm imputando dois crimes, de adulteração e de venda de mercadoria imprópria para consumo, em concurso material, sem contar o crime ambiental de poluição, ainda que a jurisprudência não esteja consolidada”.

O julgamento dos casos de adulteração é competência da Justiça Estadual. Será da Justiça Federal apenas quando da sonegação de tributos federais, como de PIS/Confins no etanol, decorrente de algumas fraudes no setor, como lembra Dias.

Os entrevistados foram unânimes em elogiar o seminário e em incentivar a realização de novos eventos dessa natureza. Para Jefferson Dias, “o contato entre os diversos órgãos de combate às fraudes do setor de combustíveis sempre é muito positivo”. Ele espera que em outros similares seja possível aperfeiçoar ainda mais essa integração, para que a atuação seja mais eficiente.