por Márcia Alves


 


Caso apenas existisse tal como é, a Casa da Fazenda do Morumbi, já estaria cumprindo um importante papel na história por tudo o que representa. Relíquia do Brasil Colonial, a casa foi erguida em 1813 pelo regente Padre Antonio Feijó, nas terras que foram presenteadas por D. João VI ao produtor inglês de chá, John Maxwell Rudge. Depois do último morador, em 1978, a propriedade permaneceu fechada por 20 anos, quase sucumbindo à ação do tempo. A restauração na década de 90 durou cerca de quatro anos e foi assumida pela Academia Brasileira de Arte, Cultura e História (Abach), com a ajuda de incentivos fiscais. O trabalho resultou num resgate histórico, que preservou características originais, como paredes densas, janelas e portas largas, e também todo o mobiliário antigo.


 


Mas, junto ao passado praticamente intacto do lugar, também há arte, beleza e muito encanto. Além de pólo cultural, o casarão abriga um restaurante sofisticado e muito bem freqüentado por um público classe A, formado por executivos e moradores do Morumbi, uma das regiões mais nobres de São Paulo. O consultor gastronômico da Casa da Fazenda, Silvio Lancellotti, agregou ao menu iguarias clássicas e incluiu algumas receitas que desenvolveu em sua experiência profissional.


 


A adega de 700 rótulos instalada há um ano em pleno salão do restaurante é uma atração à parte. Entre as variadas opções da carta de vinhos da Casa da Fazenda, o campeão de pedidos é o chileno Trio Chardonnay (2004), sugerido pelo sommelier Tiago Alves na combinação com o famoso Bacalhau do Velho Rudge, servido às sextas-feiras. “A pigmentação desse prato se harmoniza com esse chardonnay de uva mais forte entre os brancos”, explica.


 


O presidente da Abach e administrador da casa, Roberto Oropalo faz questão de acrescentar que a receita do bacalhau de John Rudge é mesma que ele preparava para agradar os portugueses da corte, seus convidados a cada colheita de chá. “O bacalhau grelhado é acompanhado por camarão empanado em gergelim e batatas ao murro, servido em cumbuca com molho”, revela. O Chá Colonial, segundo ele, “muito apreciado, atualmente, pelas senhoras da sociedade”, também foi mantido pelo restaurante tal qual o hábito cultivado pelo antigo morador inglês.


 


Resgate histórico


Para manter o autêntico ambiente de fazenda do Brasil Colonial, a restauração da Casa da Fazenda preservou o máximo da arquitetura original. As madeiras do terraço externo e toda a sustentação do telhado são especiais, lavradas à mão, na Bahia. As telhas, que estavam deterioradas pelo tempo, foram confeccionadas em Santa Catarina. Portas, janelas e batentes foram restaurados à parte por artistas de marcenaria. No acabamento externo foi usada uma técnica de revestimento com barro, aproximando o máximo possível da versão original às paredes com 0,70 cm de largura, em taipa de pilão (antiga técnica de construção feita com barro e estrutura de madeira). A cozinha foi demolida e reconstruída no mesmo lugar, tendo como atrativos um fogão em pedra, queijeira com formas de madeiras e pilão e componentes da época.


 


O casarão reserva também preciosos detalhes, alguns tão antigos quanto o imóvel, como o teto trançado e as janelas com grade de ferro na senzala que chega a ter 1,40 m de largura em suas paredes de pedra. Outros, mais recente, como o teto do salão no térreo que foi minuciosamente pintado à mão, retratam fielmente a tapeçaria de uma porta de sacristia de 1850. O mobiliário resgata o estilo inglês da época, com poltronas de couro e tecido e móveis de influência napoleônica. A varanda é a única com características essencialmente tropicais, com árvores centenárias, como a jabuticabeira, abacateiros e mangueiras. Além das palmeiras já existentes, foram plantadas mais 16 nos 120 metros de frente do terreno, onde também há horta cercada por azaléias cor-de-rosa.