por Márcia Alves


 


Bebida típica do Brasil, a cachaça está cada vez mais valorizada. Redescoberta pela classe média e pela elite, que sempre a beberam com pudor, a cachaça sofisticou-se e passou a freqüentar as mesas dos melhores restaurantes e hotéis. Já não é mais nenhuma novidade encontrar uma dose a R$ 20,00 e uma garrafa a R$ 200,00. Para ser ter uma idéia da sofisticação, basta dizer que hoje existem as figuras do cachaçólogo (estudioso, pesquisador), pingófilo (bebedor, amante da boa pinga) e degustador de cachaças (especialista em provar, considerar e julgar se uma cachaça tem ou não excelência sensorial).


 


Tal qual o vinho, a cachaça também deve ser apreciada por seu sabor e aroma. A destilação, fermentação, grau de teor alcoólico e o armazenamento definem o tipo da bebida. O cachaçólogo Marcelo Câmara, autor do livro “Cachaças bebendo e aprendendo - Guia prático de degustação / drinking and learning - Practical guide to tasting” (Editora Mauad), conceitua a bebida. “Cachaça é a bebida que pinga na ponta do alambique, branca, nova e fresca, no máximo descansada em madeira quase-neutra”. Para ele, cachaça com cheiro de cana, é somente cana, e nada mais, lembrando rapadura e melado. Diz, ainda, que cachaça envelhecida não é cachaça, mas uma outra bebida. “Ela foi alterada nas suas características sensoriais pela madeira, que temperou a sua cor, o aroma e o sabor”, explica, acrescentando que a cana, natureza da cachaça, deve sempre prevalecer.


 


Para Câmara, não é o preço que determina a qualidade da cachaça. Segundo ele, as melhores pingas do mundo custam entre R$ 30,00 e R$ 40,00. A qualidade da bebida, afirma, começa pela da cana, que deve ter alto teor de sacarose. “Quanto mais açúcar, mais etanol, o álcool da cana presente na cachaça”. Disse ainda, que a higiene e assepsia são fundamentais no processo e que a principal etapa é a fermentação. Em relação ao teor alcoólico, diz que prefere uma graduação mais forte, entre 44% e 50%, mas reconhece que o mercado está pedindo uma graduação entre 38% e 42%.  


 


O cachaçólogo ensina sobre o sabor e o aroma ideais da cachaça. “A aparência e a cor devem ser uniformes, sem jaças, sem manchas; ter aroma de cana (se envelhecida apenas um ou dois traços, temperos da madeira); gosto de cana (não de álcool, cereais, sementes, madeira, ervas etc.); doce ardência ao inundar a boca e maciez ao ser engolida; boa digestibilidade, gosto de quero mais, fome, prazer”. Vale registrar que a melhor cachaça do mundo, na avaliação de Câmara, é a fabricada em Paraty (RJ), há cerca de 400 anos.


 


Box 1– O mercado da cachaça


No país, a cachaça é a segunda bebida mais consumida, atingindo a marca de 900 milhões de litros. Cada brasileiro bebe 11 litros de cachaça por ano. A produção anual é de 1,3 bilhão de litros e as lavouras de cana-de-açúcar ocupam 125 mil hectares. São Paulo é o maior produtor e Minas Gerais o maior fabricante artesanal. Atualmente, menos de 1% da cachaça é exportada, cerca de 12 milhões de litros. Segundo a Associação Brasileira de Bebidas, até 2010, o Brasil deverá exportar algo em torno de US$ 30 milhões em cachaça. O objetivo é tornar o país uma referencia em cachaça, da mesma forma que a Rússia é sinônimo de vodka e a Escócia de uísque.


 



Como, onde e quando nasceu a cachaça?


Resultado da fermentação e, depois, da destilação do melaço (borras do açúcar), ou do caldo da cana-de-açúcar, ou, ainda, do mosto desse caldo, a cachaça é uma bebida brasileira, genuinamente nacional, e tem quase a idade do Brasil. Ela foi inventada no litoral paulista, na terceira década do século XVI. Não há como se precisar o ano do seu nascimento, mas é certo que ela surgiu junto com os primeiros engenhos de açúcar do país. Nos anos de 1533 e 1534, o colonizador português Martin Afonso de Souza e mais quatro sócios construíram três engenhos em São Vicente. As primeiras mudas de cana-de-açúcar chegaram antes, em 1502, vindas da Ilha da Madeira, trazidas por Gonçalo Coelho.


 


A cachaça é a aguardente de cana-de-açúcar, uma bebida do grupo dos destilados, do qual também fazem parte o rum caribenho, a tequila mexicana, o pisco peruano, a bagaceira portuguesa, o conhaque francês, o uísque escocês, a vodka polonesa, o gim inglês, o kirsch alemão, o áraque árabe, o soju coreano etc. O nome “cachaça” vem do espanhol “cachaza”, que significava, bem antes de 1500, na Península Ibérica, “uma bagaceira inferior”. Porém, a palavra “cachaça”, com esta grafia e este som, e com o significado que conhecemos e falamos, para designar a aguardente de cana-de-açúcar, é um brasileirismo, uma criação do povo brasileiro, do português falado no Brasil e o seu uso só foi generalizado em meados de 1700.


 


Também se apresentam fictícias e fantasiosas todas as outras versões sobre o modo e a forma de aparecimento da bebida e a época do evento. Os portugueses conheciam a técnica da destilação. Fabricavam a bagaceira, aguardente originária das borras das uvas, em alambiques. Também cultivavam a cana-de-açúcar em Portugal, na Ilha da Madeira e no Arquipélago dos Açores. Porém, incrivelmente, jamais fabricaram cachaça. Isto só veio a acontecer na terra recém-descoberta. Por que? Não se sabe.


 


Fonte: trechos do livro “Cachaça - Prazer Brasileiro” (Mauad), do escritor Marcelo Câmara.


 



Apelidos da cachaça


Ao longo do tempo, a cachaça tem recebido inúmeras designações e expressões folclóricas, muitas relacionadas aos seus efeitos. Eis algumas: abrideira; água-benta; água-que-passarinho-não-bebe; aguardente (denominação universal de bebida destilada); arrebenta-peito; bagaceira (porque a sobra da pinga é o bagaço); boa; boinha; branquinha (nem toda pinga é branca); caiana (apelido típico do Norte do Brasil); cana; caninha (aguardente feita de um tipo de cana fininha, em São Paulo); danada; gole; goró; mardita; marvada; marafa (termo usado na Umbanda e Quimbanda); mé; perigosa; pinga; pura; saideira; trago e outras.