por Denise de Almeida


 


Em pleno centro de São Paulo, no número 340 da rua Líbero Badaró, no suntuoso edifício Sampaio Moreira ? tido como o primeiro arranha-céu da cidade ? fica a Casa Godinho, um dos mais antigos empórios de secos & molhados finos em atividade na capital.


Bravo resistente entre o comércio popular, a Casa Godinho mantém a aura elegante dos empórios gourmets, apesar dos seus 120 anos de existência, comemorados neste ano de 2008.


Ao longo desse período, a tradicional casa do bacalhau assistiu às venturas e desventuras do centro paulistano, do desfile das senhoras e senhores elegantes de chapéu do início do século XX ao movimento frenético de populares que transitam hoje nas ruas estreitas da região. E resistiu bravamente, sendo hoje reconhecida nacionalmente pela diversidade e excelência de seus produtos, na sua grande maioria importados. Era aqui que grandes nomes da história, como Assis Chateaubriant, da política, como Adhemar de Barros e Jânio Quadros, da indústria, como José Ermírio de Moraes, entre tantos outros, abasteciam suas casas quando procuravam produtos de qualidade.



Construindo o status do bacalhau


 


Seu fundador, José Maria Godinho, jovem imigrante português com ótima formação e de família de posses, homem que se dedicou exclusivamente ao trabalho, não se casou nem deixou herdeiros legítimos, foi um dos primeiros a estabelecer em São Paulo uma loja de molhados finos ? bebidas importadas como champagnes, uísques, vinhos ?, embutidos, queijos, enlatados e uma verdadeira ousadia à época: bacalhau. Bacalhau era coisa de português pobre e não havia o hábito de comer esse peixe mesmo na Páscoa ou no Natal. Foi Godinho um dos responsáveis por ?catequizar? os paulistanos e construir o status do bacalhau na cidade ? hoje o carro-chefe do empório.


Na Casa Godinho, além do bacalhau do Porto Imperial, importado diretamente da Noruega, existe uma ampla oferta de embutidos portugueses, italianos, espanhóis e alemães, queijos importados e preciosidades, como a tinta ucraniana para tingir ovos e raiz forte alemã para pratos típicos. Azeites e alguns grãos especiais vendidos a granel completam o mix de produtos.


Entre os quase mil tipos de bebidas importadas ? uísques, vodcas, vinhos, grapas, bagaceiras, licores, conhaques e champanhes ? destaque para os 40 rótulos de ?scotch whiskies? distribuídos nas categorias 8, 10 e 12 anos. ?E os preços são competitivos?, segundo o atual proprietário do empório, Miguel Romano.


Como Godinho não deixou filhos ou netos, o negócio foi passando de mão em mão até chegar na de Romano, um homem apaixonado também pela gastronomia. José Maria Godinho morreu aos 80 anos, na década de 1950, antes mesmo de Miguel Romano nascer.



Visual centenário


 


Romano, aliás, embora não seja da família Godinho, é o responsável por guardar a memória do estabelecimento, mantendo o piso de ladrilho hidráulico, as prateleiras de imbuia maciça (originais de 1888) e o ?embrulho? em papel cor de rosa.


?A Casa Godinho tem entre seus clientes muitas famílias que cruzam a cidade em busca de nossos produtos, especialmente por causa da garantia de procedência. Vir aqui tornou-se um programa de avôs, pais e filhos que cultivam um sentimento nostálgico de amor ao centro?, afirma.


Por outro lado, o negócio não pode viver apenas dos saudosistas ? ?as mudanças que implementamos recentemente trouxeram um público novo, pouco acostumado a encontrar sofisticação no centro?, referindo-se aos computadores, alguns balcões frigoríficos, uma padaria expressa e um portal na Internet, que chegaram recentemente para rejuvenescer o negócio.


A maior novidade, contudo, chegou em 2002, quando Miguel Romano resolveu instalar um grande ?balcão de delícias?, onde pudesse servir aos clientes alguns salgados tendo o bacalhau como matéria-prima. O hit desse balcão são as empadas de bacalhau, mas há também de alheira, de camarão, de frango e palmito. Empanadas de carne e de frango e croissants recheados completam a oferta de salgados.


A abertura da economia, o êxodo da elite para bairros da zona sul da cidade, o surgimento dos empórios chiques nos Jardins e a concorrência esmagadora das grandes redes de supermercados poderiam ter determinado o fim da Casa Godinho. Mas ela soube se reinventar. Por isso, vale a pena conferir!


Aberta de segunda a sexta das 7h às 18h45 e aos sábados das 8h às 13h45. Fecha aos domingos.