por Márcia Alves



Que tal um caviar de cenoura? E para acompanhar, um espaguete de cachaça com um carpacio de legumes e ovo sabor de coco. Parece loucura, mas esses pratos existem e são servidos em restaurantes que praticam a gastronomia molecular. Esse recente ramo da ciência, que estuda os elementos físicos e químicos dos alimentos, transformou a cozinha em um laboratório, incorporando novos métodos, técnicas e equipamentos que permitiram reinventar a culinária.


Apesar de ser uma novidade no Brasil, a gastronomia molecular surgiu na Europa há duas décadas pelas mãos do físico-químico francês Hervè This. Antes dele, o físico húngaro Nicholas Kurti – curiosamente, um dos inventores da bomba atômica –, usou seus conhecimentos, no início do século passado, para dar os primeiros nesse novo ramo da ciência. Ambos partiram da análise das reações físicas e químicas que acontecem na interação entre os alimentos, para conceber formas inéditas de preparo de alguns pratos.


O caviar de cenoura, por exemplo, é resultado da técnica de esferificação, que transforma em bolinhas perfeitas qualquer alimento em estado líquido. Para aprisionar o líquido nas esferas, os cientistas descobriram que o ácido algínico, uma substância geleificante, reage quando misturada com o cloreto de cálcio, formando uma película que reveste as esferas. Parece complicado, mas não é. Trata-se apenas da mistura de novos ingredientes. Assim são feitos os falsos caviares de legumes, bebidas, queijos e tudo o mais que a imaginação permitir.


Mas, há outras técnicas, como as espumas, em que se usa o óxido nitroso para aprisionar líquidos em bolhas de ar. O chef catalão Ferran Adrià, detentor do título de maior cozinheiro do mundo e um dos ícones da gastronomia molecular, criou um método que utiliza um sifão, uma espécie de garrafa de chantilly. Ferran mistura suco de frutas ou legumes com água, gelatina ou creme de leite, injeta o gás no sifão e faz, em segundos, vistosas espumas líquidas ou sólidas.


Outra técnica da gastronomia molecular transforma os alimentos em gel, com o uso da substância ágar, um produto oriental extraído de algas vermelhas. O ágar é semelhante à gelatina de origem animal que conhecemos, com a diferença que tem maior propriedade geleificante, mesmo em temperatura ambiente, ou seja, não derrete fora da geladeira. Outra substância, o metilcelulose, derivado da celulose, também tem poder geleificante e altera a viscosidade dos alimentos. Mas, o interessante é que suas propriedades são ativadas pelo calor. Com essa técnica o chef Ferran prepara as famosas “gelatinas” quentes.


Sucesso no país


No Brasil, a gastronomia molecular conta com vários seguidores e está presente no cardápio de restaurantes da moda. Os chefs Alex Atala, do restaurante Dom, e Helena Riso, do Mani, ambos em São Paulo, utilizam as novas técnicas em pratos da culinária brasileira. Mas, o chef Kaká Silva, formado em culinária francesa pela Le Cordon Bleu, foi mais longe. Ele criou o Gastronomy Lab, um portal na Internet dedicado exclusivamente à gastronomia molecular, que conta com 25 mil acessos mensais.


Além de cursos e palestras, Kaká Silva responde pessoalmente todas as dúvidas de internautas a respeito da nova ciência gastronômica e publica no portal, com regularidade, suas criações culinárias. O “filé no sous-vide com redução de vinho, azeitona preta e legumes grelhados” é um dos pratos recentes, no qual ele utiliza, como o nome indica, a técnica sous-vide, pela qual os alimentos são cozidos a vácuo em temperaturas abaixo de 60°C, preservando sua textura e valores nutricionais.


Kaká Silva discorda que a gastronomia molecular tenha chegado com atraso ao país. “Chegou na hora certa, pois ainda estamos abrindo os olhos para ela”, diz. Segundo ele, não é impossível aplicar as novas técnicas em casa e tampouco encontrar os ingredientes. “Porém, como é fácil desconstruir certos elementos e texturas dos alimentos, costumo dizer que o grande problema é a tênue linha que separa o bom gosto de um desastre culinário”, afirma. Quanto aos ingredientes, segundo ele, podem ser adquiridos pelo Gastronomy Lab a preços menores do que os vendidos na Espanha e Estados Unidos.