por Cristiane Collich Sampaio


 


Em 2008, o Instituto de Pesos e Medidas do Estado de São Paulo (Ipem-SP) identificou novos tipos de fraude metrológica em mais de 20 postos do estado e, numa atitude inédita, além de autuar os proprietários e lacrar equipamentos, removeu algumas das bombas irregulares para a realização de perícia.


Já não se trata de falhas técnicas, que podem levar a erros de medição, com prejuízos para o consumidor ou para o próprio revendedor, ou de fraudes rudimentares. A novidade, agora, são dispositivos eletrônicos que, inseridos na bomba e acionados à distância, adulteram as informações sobre a quantidade de produtos efetivamente fornecida ao consumidor durante o abastecimento. Os números preliminares assustam e os requintes de engenharia fazem pensar que o crime organizado pode estar por traz desse esquema.


É um salto tecnológico no padrão das fraudes, que não deixa dúvidas sobre as intenções do agente: ludibriar o consumidor e, com isso, obter ganhos ilícitos (e até mesmo lavar dinheiro ganho ilegalmente). De acordo com dados do Ipem-SP, somente entre 27 de maio e 24 de agosto, foram interditados 192 bicos no estado por apresentar indícios dessas novas fraudes, dos quais 131, pertencentes às 23 bombas apreendidas. Depois desse período, a cada nova inspeção, mais casos se somam a estes, em diversas cidades. Há um galpão abarrotado de bombas, que estão sendo submetidas à perícia por apresentarem algum “corpo estranho” conectado a seus mecanismos internos. Até o fechamento desta edição, além da capital, equipamentos irregulares já haviam sido identificados em postos de Itu, Nova Odessa, Jaú, Campinas, Bauru e Jacareí.


 


 Kits tecnológicos de vanguarda


 


Conforme explicação do diretor técnico de Metrologia Legal e Fiscalização do instituto (DMLF), João Carlos Barbosa de Lima, dois diferentes tipos de mecanismos estão sendo usados: o kit by pass e o kit turbina. O by pass (desvio), que pode ser acionado localmente ou à distância, é um mecanismo que, após o registro no mostrador da bomba, reconduz parte do volume do abastecimento de volta ao tanque. “Numa das bombas, constatamos o desvio de quase 9,5 litros de combustível num abastecimento de 20 litros”, afirma. Ou seja, o consumidor pagou por 20 litros e levou menos de 11 litros.


O kit turbina é um sistema diferente. Acionado por sinais emitidos à distância e captados por uma antena instalada no interior da bomba, o dispositivo provoca interferências (turbinamento) nas informações levadas do sistema eletrônico para o painel mostrador da bomba. Quando o mecanismo entra em funcionamento, as informações exibidas não correspondem à quantidade de combustível efetivamente fornecido. “O mostrador de uma das bombas apreendidas indicava 20 litros, quando, na verdade, havia fornecido apenas 18,4 litros”, exemplifica Lima. Segundo ele, durante ações de fiscalização em São Paulo, também foi requerido o envolvimento da Polícia Civil e Científica e até mesmo do Instituto de Criminalística.


Resposta à ousadia


 


Para acompanhar essa “evolução tecnológica”, que abrange conhecimentos avançados em engenharia e eletrônica, o Ipem-SP mudou sua estratégia. O superintendente do órgão, Antonio Lourenço Pancieri, levou o assunto à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do estado – a que o Ipem-SP está vinculado –, ao Ministério Público Estadual (MPE) e ao Instituto Brasileiro de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). “A ação do Ipem é limitada a processos administrativos, que podem gerar a interdição das bombas e a aplicação de multas de até R$ 1,5 milhão, dependendo do porte da empresa, da gravidade da infração e da dimensão do dano. Daí a necessidade de atuação conjunta com outros órgãos, para que, além dessas sansões, essas práticas sejam caracterizadas como crime e para que os autores possam ser responsabilizados na esfera penal”, declara Pancieri.


Esta é a resposta que o poder público prepara para essa ousadia. De acordo com afirmações do diretor jurídico do instituto, Fabiano Marques de Paula, com base no relatório da diretoria de Metrologia Legal e Fiscalização – disponível no site www.ipem.sp.gov.br – “será apresentada denúncia ao MPE, para responsabilizar os fraudadores por crime contra a economia popular e contra o consumidor, com base no Código Penal e no Código de Defesa do Consumidor”. Estava prevista reunião do órgão com o procurador-geral e chefe do MPE, Fernando Grella Vieira, para a discussão de providências no âmbito penal.


Fabiano de Paula informa, ainda, que o órgão já venceu uma primeira batalha jurídica contra revendedores autuados: “quando há interdição da bomba e posteriormente o lacre é rompido, para evitar que haja reincidência, o superintendente tem determinado a apreensão do equipamento para realização de perícia. Um revendedor, em particular, ingressou na Justiça, com medida liminar para reaver as bombas, mas não obteve sucesso, gerando precedente.”


Além dos proprietários de postos, a investigação também deverá atingir empresas de manutenção, pois algumas aparecem como responsáveis por equipamentos apreendidos em diferentes pontos do estado, sugerindo a existência de um esquema organizado.


Mas a questão já ultrapassou os limites do estado de São Paulo. Como órgão delegado do Inmetro no campo da fiscalização, o Ipem-SP levou suas constatações à direção da instituição federal. Em reunião realizada há poucos meses, foi articulado um grupo de trabalho, com a participação de representantes do Inmetro, do Ipem-SP e de outros estados, para definir um plano de ação nacional. Pancieri declara que “há necessidade de mudanças nos mecanismos e nos critérios para a certificação dos modelos, para evitar a liberação de equipamentos – nacionais e importados – que possibilitem alterações posteriores”.


João Carlos de Lima acrescenta que esse grupo nacional deverá promover o treinamento dos fiscais para identificar as novas fraudes, assim como fomentar ações sincronizadas em vários estados.