por Cristiane Collich Sampaio

A falta de estoques reguladores de etanol tem sido a principal causa das oscilações de preço nos períodos de safra e entressafra, ao longo dos anos. Mas nos últimos, especialmente na safra de 2010-2011, outros fatores vieram a se somar a este.

Nesse cenário, o crescimento econômico brasileiro e o aumento do poder aquisitivo da classe C geraram expansão da frota e do consumo de combustíveis. Mas a produção de etanol não acompanhou esse movimento.

Em 2010, o sindicato das distribuidoras (Sindicom) – cujas associadas detém, juntas, 80% do mercado nacional de combustíveis automotivos – anunciou recorde de vendas. A gasolina foi o combustível que mais cresceu, registrando elevação de 17% em relação a 2009, devido ao preço do etanol que se manteve favorável em relação à gasolina em apenas nove estados (BA, GO, MS, MT, PE, PR, RJ, SP e TO). Porém, pela mesma razão, o etanol hidratado apresentou queda nas vendas de 12% em relação ao ano anterior. Essa tendência se acentuou, muito, nos primeiros meses de 2011.

A origem

A professora Mirian Bacchi, pesquisadora responsável pela área de etanol do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), explica as razões da alta. Segundo ela, esse comportamento dos preços tem origem em 2008. “A crise financeira internacional, e a conseqüente falta de liquidez, adiou a implantação de fábricas voltadas à produção de etanol”, esclarece. Somam-se a isso os preços baixos, tanto do anidro quanto do hidratado, nos anos-safra 2007-2008 e 2008-2009, que desmotivaram investimentos no setor, especialmente de grupos já inseridos na cadeia. O fator climático também teve seu peso nessa equação, com excesso de chuvas num ano e seca no seguinte.

A descapitalização do setor, especialmente daquelas unidades voltadas unicamente à produção de etanol, acabou por acirrar a concorrência durante o período de safra. O comportamento sazonal dos preços foi bastante acentuado: queda na safra e elevação na entressafra.

“Depois de anos ruins, a partir de 2010 os preços reais do etanol vêm se recuperando. No entanto, apesar dos preços elevados na entressafra 2010/11, observa-se que o preço médio do etanol – tanto do anidro quanto do hidratado – no último ano-safra é o sexto menor dos últimos 11, ou seja, em cinco temporadas o preço médio anual ficou acima do observado nesta”, revela, com base no levantamento do Cepea.

Em sua opinião, é necessária uma política efetiva de estoques reguladores para se obter maior estabilidade dos preços. Em 2010-2011, dos R$ 2,4 bilhões do BNDES destinados ao financiamento dos estoques, com juros de 9% ao ano, somente uma pequena parcela foi tomada. Isso porque poucos produtores conseguiram acessar o crédito devido às normas extremamente restritivas. Para Mirian, também são necessárias políticas públicas e setoriais visando a ganhos em produtividade, tanto agrícola quanto industrial, e estimulo à construção de novas destilarias.

Quanto à alocação de cana para a produção de açúcar – cujo preço, no último ano-safra chegou a remunerar o produtor, em períodos específicos, até 2,5 vezes mais em comparação com o etanol hidratado –, a pesquisadora do Cepea explica que a mudança no mix de produção foi relativamente pequena, pois aproximadamente 160 usinas brasileiras estão capacitadas para produzir apenas etanol. Além disso, nas demais, as estruturas industriais não são flexíveis para grandes variações da produção de um ou de outro produto.

Mais ingredientes

Mas há outros elementos envolvidos nesse “imbroglio”. Mirian Bacchi aponta a grande variação nas alíquotas de ICMS praticadas pelos estados – entre 12% e 30% – e os preços irreais da gasolina, que inviabilizam o equilíbrio entre esses dois combustíveis. No dia 22 de abril, ao analisar a questão, a colunista da Rede Globo, Miriam Leitão, comentava que “de julho do ano passado até agora, (o preço internacional do petróleo) saiu de US$ 70 e foi para US$ 130. A Petrobras está cobrando mais de todos os derivados do petróleo, mas não está cobrando mais dos distribuidores pela gasolina. Por quê? Aí tem o subsídio.”

No momento, a elevação dos preços finais desse produto se dá por conta da alta no preço do anidro, que compõe esse combustível. Ainda assim, a gasolina continua mais atraente para os proprietários de veículos flex. Como informa o presidente do Sindicom, Alísio Vaz, “na primeira semana de abril as vendas de etanol caíram 70% em relação às vendas semanais de janeiro/fevereiro, e as de gasolina cresceram em média 28%”. Por conta disso, este ano, para atender ao aumento da demanda, o Brasil teve de importar gasolina e também cerca de 138 milhões de litros de álcool anidro. E a saída de reduzir o percentual de etanol na gasolina, artifício comumente utilizado em anos anteriores, é inviável agora, pois isso significaria elevar o volume de gasolina a ser importado que, com os preços atuais do petróleo no mercado externo... Melhor importar anidro.

De olho no futuro

Após a Páscoa, a previsão da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) era que 58% das 335 usinas instaladas na Região Centro-Sul iniciassem a moagem da cana-de-açúcar, antecipando, assim, maior oferta de etanol, anidro e hidratado, no mercado. Isso deverá fazer com que os preços – do hidratado, do anidro e, consequentemente, da gasolina – caiam, reduzindo o impacto na inflação. Mas analistas avaliam que dificilmente os preços voltarão aos patamares do período de início de safra, em abril/maio de 2010.

Nesta, que se inicia agora, a previsão da Unica é que ocorra crescimento de 2,11% em relação ao total de cana processada na safra anterior, que foi de 556,74 milhões de toneladas.

O Governo estuda uma série de medidas para que, no longo prazo, a começar do próximo ano, os problemas da entressafra deixem de existir. Entre elas está a concentração do controle sobre a produção e a comercialização do etanol na ANP. Hoje essa responsabilidade é dividida entre a agência e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Para o presidente do Sindicom, o objetivo dessa medida teria como “grande motivação a criação de uma política energética mais articulada dentro da ANP, já que hoje se observa uma lacuna quanto à produção do etanol”. Mas ressalta: “não queremos ingerência sobre o setor, mas sim, maior controle.”

Além disso, conforme suas declarações, está prevista em lei federal a instalação de medidores eletrônicos de vazão nas usinas, conectados à Secretaria da Receita Federal, possibilitando maior controle tributário e a arrecadação do PIS/Cofins de toda a cadeia de comercialização na produção, o que levaria à redução da sonegação no etanol. Segundo Alísio Vaz, a Unica, com quem o Sindicom tem mantido negociações visando apresentação de proposta conjunta ao Governo, tem se mostrado flexível quanto a esse ponto.

O representante da distribuição concorda com Mirian Bacchi, do Cepea/Esalq, sobre as medidas necessárias à estabilização dos preços do etanol. Ao lado do alinhamento das alíquotas de ICMS praticadas no país, ambos citam planejamento de longo prazo e criação de estoques estratégicos, entre outras.