por Márcia Alves

Exercer a atividade de revenda de combustíveis não é para qualquer um. O setor é um dos mais regulados, fiscalizados, concorridos e – sem trocadilho - exposto também. A cada aumento de preços dos combustíveis, por exemplo, não importa a causa, os postos serão sempre o alvo de críticas da mídia e da população. Mas, se essas fossem as únicas circunstâncias inerentes ao comércio de combustíveis, a operacionalização de um posto seria difícil, mas não impossível. Entretanto, o maior desafio da revenda na atualidade é ter de conviver lado a lado com os adulteradores de combustíveis, fraudadores e sonegadores.

Uma parcela de revendedores desonestos, que já foi bem mais numerosa no passado, pratica toda a sorte de irregularidades para vender a preços abaixo do mercado. Nessa concorrência desleal e predatória vale tudo, desde a simples adição de mais etanol à gasolina ou, ainda mais grave, a mistura de metanol, até a compra de combustível clandestino, ou uso de nota fria e tantos outros esquemas. Eles agem à margem da lei, como se tivessem certeza da impunidade. Um ou outro que é pego pela fiscalização, muda de razão social ou de localidade, mas não deixa de praticar ilegalidades.

A constatação

Para os revendedores honestos – felizmente, a maioria -, que atuam na legalidade, pagam impostos e cumprem as regras de mercado, resta amargar os prejuízos. A redução de índice de não conformidade dos combustíveis, que já chegou em 2005 a alarmantes 11% e hoje não passa de 3%, transmite a aparente sensação de que o mercado está saneado. Mas, ainda não está.  Embora em número menor, os fraudadores e adulteradores estão por toda a parte e podem, sim, ser identificados. Num giro rápido pela capital e Grande São Paulo, no dia 29 de julho, o sindicato paulista da revenda, Sincopetro, colheu uma amostra de preços de 13 postos com fortes indícios de irregularidades.

A maioria vendia etanol a R$ 1,59 o litro, quando o preço líquido médio para a distribuidora era de R$ 1,13750, ao qual somado o ICMS de 12% (R$ 0,22287) e os R$ 0,12 referentes ao PIS/Cofins e mais R$ 0,05 de frete, resultava no custo final de R$ 1,53. Ou seja, como um posto consegue vender o litro de etanol a R$ 1,59 se, na mesma data, o custo médio de aquisição da distribuidora (sem a margem de lucro) era de R$ 1,53? “É impossível o revendedor honesto sobreviver a esse tipo de situação”, diz o presidente do Sincopetro, José Alberto Paiva Gouveia.

Ele observa que o resultado da pesquisa informal realizada pelo Sincopetro bate com o apurado pelo levantamento de preços realizado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no mesmo período. De fato, a pesquisa de preços da ANP realizada na capital paulista no período de 26 a 30 de julho com 350 postos, mostra, especialmente no caso do etanol, que uma boa quantidade de postos vende por preço bem próximo ao do valor de compra da distribuidora.

Um posto do Campo Belo, por exemplo, vendia o litro do etanol na ocasião por R$ 1,59, que fora comprado da distribuidora por R$ 1,55. Outro, vendia por R$ 1,64, mas havia comprado por R$ 1,50. Porém, estes e outros vários exemplos, que podem ser conferidos no site da ANP, são apenas de postos que informaram o valor de compra do produto. Dos 350 postos pesquisados, 131, ou quase 38%, não informaram quanto pagaram pela compra do etanol. No caso da gasolina, 140, ou exatos 40%, também não forneceram esses dados.

“Por que a ANP permite que alguns postos deixem de informar o valor de compra e o nome do fornecedor? Estes não seriam casos a serem investigados?”, questiona o presidente do Sincopetro. Paiva Gouveia acredita que os revendedores que atuam na legalidade não conseguirão sobreviver por muito tempo nessa condição.

Postos pesquisados pela ANP na capital paulista – produto: etanol

Bairro

Preço de venda

Preço de compra

Data

Campo Belo

1,597

1,554

26/07

Jardim Aricanduva

1,689

1,637

26/07

Fonte: site da ANP (www.anp.gov.br)

Amostra de postos pesquisados pelo Sincopetro em 29 de julho

Local/bairro

Preço de venda – etanol (R$)

Preço de venda – gasolina (R$)

1

São Mateus

1,54

2,39

2

Aricanduva

1,54

2,49

3

Interlagos

1,59

2,45

4

V. Mariana

1,59

2,44

5

Rio Bonito

1,59

2,45

6

Sapopemba

1,59

2,49

7

Itaquera

1,59

2,49

8

Lapa

1,59

2,57

9

São Rafael

1,59

2,49

10

São Mateus

1,59

2,49

11

Vila Prudente

1,59

2,54

12

Osasco

1,67

2,48

13

Osasco

1,69

2,49

Composição de preço do etanol hidratado até a distribuidora*

Etanol hidratado

1,13750

PIS/Cofins

0,12000

ICMS

0,22287

Frete

0,05000

Preço de custo para a distribuidora

1,53037

(*) Em 29 de julho de 2011 na cidade de São Paulo | Fontes: Sincopetro e Esalq/USP

Justiça, ainda que tardia

ANP elimina passivo superior a 11 mil processos administrativos anteriores a 2008 e inicia suspensão de postos reincidentes em infrações.

O combate à adulteração de combustíveis tem surtido efeito ao longo dos anos. Graças à edição de leis mais rigorosas e restritivas e à união de esforços entre órgãos de governo na fiscalização do setor, os índices de não conformidade dos combustíveis despencaram nos últimos anos. Em São Paulo, por exemplo, a adulteração de combustíveis chegou a atingir picos de 11%, em 2005, mas hoje não passa de 3%.  

O ponto de partida dessa cruzada contra as irregularidades do setor teve início com a aprovação da Lei 11.929/05, que estabeleceu a cassação da inscrição estadual dos estabelecimentos flagrados no crime de adulteração. Em seguida, a criação da força-tarefa, que reuniu órgãos do governo de três instâncias nas operações de fiscalização fechou o cerco em torno dos fraudadores.

Mas, apesar dos bons resultados, uma parcela de revendedores desonestos continuou insistindo no crime de adulteração, pelos simples fato de se considerar fora do alcance da lei. Mesmo flagrados na prática de adulteração mais de uma vez, esses estabelecimentos reincidentes permaneciam impunes, por anos, às vezes, devido à morosidade do órgão regulador e fiscalizador do setor na aplicação das penalidades de suspensão ou interdição, previstas em lei.

A situação causava indignação aos revendedores que trabalhavam na legalidade e desconforto à ANP.  Até que em maio do ano passado, a ANP decidiu arregaçar as mangas, concluindo em julho deste ano, a eliminação de um passivo de 11 mil processos administrativos anteriores a 2008, que eram resultantes de ações de fiscalização no mercado de combustíveis. Um dos resultados imediatos foi o aumento de 112% na arrecadação com multas, que saltou de R$ 26,8 milhões para R$ 56,7 milhões, entre 2009 e 2010.

Nas ruas, os fiscais da ANP iniciaram a aplicação das punições aos reincidentes no decorrer de julho. Os primeiros da lista foram dois postos, um de São Paulo e o outro de Curitiba (PR), que acabaram suspensos, por um período não superior a 30 dias. Conforme a Lei 9.487/99, que trata da fiscalização das atividades de abastecimento nacional de combustíveis, a suspensão, que, pode durar de dez a 30 dias ininterruptos, é aplicada somente aos estabelecimentos com processos administrativos de fiscalização já concluídos. A interdição, aplicada aos casos mais graves, apenas é extinta quando o posto eliminar as causas que geraram a punição.

Em nota, a ANP afirma que, a partir de agora, poderá punir mais rapidamente aos agentes econômicos reincidentes em infrações. A agência informa, ainda, que realizou 20 mil ações de fiscalizações em todo o país, em 2010, que resultaram na emissão de cerca de três mil autos de infração, dos quais 500 resultaram em interdições, sendo 139 por problemas de qualidade.

Mais profissionalização para não precisar mudar a lei

A flexibilização da Lei 11.929, como querem alguns revendedores, pode trazer de volta o caos ao setor.

A Lei 11.929, sancionada no dia 12 de abril de 2005 pelo então governador de São Paulo Geraldo Alckmin, tornou-se um marco no combate à adulteração de combustíveis no país ao estabelecer a pena de cassação da inscrição estadual aos postos infratores. O Sincopetro teve participação fundamental na elaboração da lei, em reuniões periódicas com o governador, nas quais prestou esclarecimentos acerca do setor e sugeriu medidas.

Antes da lei não havia mecanismos legais para coibir o avanço das irregularidades, daí porque a 11.929 precisou ser rigorosa, punindo com a cassação da inscrição desde os casos de comprovada adulteração até a simples desconformidade dos produtos. No caso da gasolina, por exemplo, qualquer percentual de adição de etanol acima dos limites fixados pela ANP, hoje em 25%, tem sido o bastante para classificar o produto como desconforme e resultar em perda da inscrição. Vale lembrar que essa lei foi elaborada num período crítico para o setor, que exigia medidas duras.

Mas, passados seis anos da edição da lei, começaram a surgir em diversos pontos do estado de São Paulo manifestações de revendedores contrários aos rigores da lei. A edição de junho revista “Postos & Serviços”, veículo oficial do sindicato que representa os revendedores de Santos e Região (Resan), dedicou várias páginas para a apresentação de argumentos pela flexibilização da lei e pela distinção entre adulteração e não conformidade.

“Será correto punir no mesmo peso e medida um posto que, por problema técnico ou erro humano, tem sua amostra de produto reprovada?”, “Revendedores honestos estão sendo punidos como bandidos”. Ambas as frases são trechos extraídos de textos da revista. A publicação apresenta, ainda, o caso de um revendedor que perdeu a inscrição estadual do posto por causa de oito litros a mais de etanol em um volume total de 5 mil litros. Em contrapartida, a revista também revela que um estudo na região comprovou que apenas 40% dos revendedores realizam o teste de qualidade do produto, no momento da descarga, e guardam a amostra-testemunha.

Embora possa ter havido uma injustiça no caso específico desse revendedor, a Lei 11.929, de um modo geral, tem sido eficaz no combate às irregularidades do setor. Desde a sua edição até junho último, 857 postos do estado tiveram a inscrição cassada, depois de esgotados todos os recursos de defesa oferecidos pela justiça. Inclusive, o Judiciário tem aplicado a lei com rigor, negando a concessão de liminares para casos comprovados de irregularidades.

A posição do Sincopetro é que a discussão sobre a flexibilização da Lei 11.929 deve ser conduzida com muita cautela. Se, por suposição, a lei passar a tolerar a desconformidade da gasolina no limite de 30% de adição de etanol, por exemplo, outros estabelecimentos que forem flagrados adicionando 31% poderão se sentir injustiçados por excederem o limite em apenas 1%. Aumentar a tolerância, com base em casos de exceções, pode trazer de volta aquela situação caótica vivida no passado.

Como se proteger

O Sincopetro alerta para os meios legais que os revendedores dispõem para se protegerem contra os rigores da Lei 11.929. O primeiro é exigir das distribuidoras de combustíveis as garantias necessárias em relação à qualidade do produto. No momento do descarregamento de combustíveis no posto, o revendedor deve acompanhar e realizar a análise das amostras coletadas do produto antes que seja colocado no tanque. A amostra deve ser guardada no posto, juntamente com o boletim de conformidade, análise da qualidade, nota fiscal e outros documentos. Para a entidade, os revendedores precisam se profissionalizar, treinar seus funcionários e, principalmente, guardar a amostra-testemunha, que é a melhor defesa em caso de divergência na fiscalização.